Apresentação
Helga Iracema Landgraf Piccolo,
Maria Medianeira Padoin
Este volume tem uma dimensão temporal específica: o século XIX. Trata, mais precisamente, do período imperial, compreendido desde a descolonização à implantação da República.
A análise da passagem de um Império – o português – para outro – o brasileiro – deve, necessariamente, apontar para mudanças e/ou rupturas, mas, também, para permanências e/ou continuidades. Impossível é assinalar um corte profundo entre o período histórico em tela e o precedente colonial, bem como com o subseqüente republicano. Embora ocorresse um recrudescimento da escravidão, fortalecendo a sociedade escravista vigente, profundas transformações ocorreram nessa sociedade com a difusão de formas de trabalho livre, graças à implementação de projetos de imigração com grupos étnicos que, vindos da Europa, aqui se instalaram, fossem subsidiados ou espontâneos.
O impacto de novas formas de pensamento influenciadas pelo cientificismo do século XIX também influiu para tornar o escravismo um sistema de trabalho anacrônico como espaço de experiência, indicando que a abolição da escravatura se inseria num horizonte de expectativas.
O Rio Grande do Sul, como os outros espaços regionais, deixou de ser, no século XIX, colônia de uma Metrópole européia, integrando a América portuguesa. Passaria a ser província de um Estado que se construía como independente, impondo-se às elites dirigentes a questão nacional. Esse Estado, ao incentivar a imigração de grupos étnicos não portugueses (fundamentalmente, mas não exclusivamente, no século XIX, alemães e italianos), também teve em vista o branqueamento da sociedade como imposição de uma tarefa civilizadora por parte da nação brasileira.
Superando históricos avanços e recuos, consolidou-se uma territorialidade que, grosso modo, e depois de tensos conflitos fronteiriços, correspondia ao que é hoje o Rio Grande do Sul.
Se problemas estruturais, já detectados no período colonial, persistiram depois da independência, dificultando uma modernização, não foram, no entanto, obstáculos para que houvesse um acentuado crescimento econômico que, por sua vez, fez surgir novos grupos sociais, acelerou o processo de urbanização, documentado por alguns pintores, e ensejou um debate político sobre outras formas de governo, alternativas às que vigoravam no Império.
O Rio Grande do Sul, quando da independência do Brasil, em 1822, estava dividido em cinco municípios, número que, ao findar o período imperial, elevara-se para 61, o que, por si só, indicava que a província fora palco de mudanças.
Neste tomo não vai ser recuperado o processo histórico, cronologicamente delineado. Nossa proposta foi analisar alguns temas pontuais. O conjunto de 21 capítulos, abrangendo uma temporalidade específica do processo histórico sul-rio-grandense, não contempla todas as temáticas possíveis de serem desenvolvidas. E, como aos autores foi dada ampla liberdade em termos de tratamento teórico-metodológico, configura-se uma obra que não se caracteriza por uma abordagem única.
O que se espera é que o presente volume contribua para que novos caminhos de pesquisa sejam abertos, que outras perguntas mais abrangentes sejam feitas aos objetos de investigação e que novas questões sejam formuladas.
Por não terem sido especificamente tratados, muitos temas relacionados com a história do Rio Grande do Sul merecem uma atenção dos pesquisadores. Entre tantos outros, podem e/ou devem ser citados:
• a história institucional que contemple o texto constitucional de 1824 e suas reformas, com destaque para o ato adicional de 1834, o que aponta para a organização política e administrativa provincial, incluindo os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário);
• os governos provinciais, incluindo a administração pública e o funcionalismo, o que envolve práticas políticas;
• a participação da província e a sua representatividade nas diversas instâncias políticas (regional e nacional), o que inclui o exercício da cidadania, eleições e partidos políticos;
• a justiça com a atuação de juízes e outros magistrados, os tribunais, especialmente a Relação (criada em 1874), julgamentos de crimes e delitos com as penalidades aplicadas e jurisprudências firmadas sobre determinadas questões;
• a Igreja Católica como instituição ligada ao Estado, com seus bispos e clérigos, incluindo sua atuação filantrópica e assistencial; as ordens religiosas;
• o protestantismo;
• uma história econômica que trate dos diversos setores produtivos, bem como dos transportes e do comércio, das finanças públicas e da política fiscal, do contrabando;
• uma história social que contemple as classes sociais, as questões sociais, o coronelismo, as relações de poder e de trabalho;
• o processo de urbanização e as demandas culturais;
• histórias municipais que incluam o localismo político e o poder privado;
• biografias que analisem lideranças dos mais diversos setores da sociedade;
• a visão dos viajantes;
• a repercussão das diretrizes da política externa do governo imperial;
• as Forças Armadas; organização e atuação do Exército e da Marinha;
• as influências das novas correntes filosóficas (“o bando de idéias novas”).
Sobre muitos desses temas citados já existe uma significativa bibliografia, a partir da qual novas reflexões poderiam ser feitas, o que contribuiria para uma maior e melhor compreensão do processo histórico sul-rio-grandense. E alguns deles, por terem sido tangencialmente abordados em textos que integram este volume, permitem que o leitor avalie a sua importância.
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