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A consolidação da Argentina: Da ascensão à plenitude do Estado liberal (1852-1916)

Volume 2 - Coleção História da Argentina

Págs.: 824
Edição: 1ª
Formato: 16x23 cm
Idioma: Português
Lançamento: 2024
ISBN: 9786589009320

Autor: Eduardo Dalla Lana Baggio

Venda casada:  

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Contracapa

Charles Pimentel da Silva,
Editor de livros

Coleção História da Argentina é uma ''viagem'' ao passado profundo da nação sul-americana uma vez conhecida por sua pujante riqueza, grande demanda por imigrantes e singular produção cultural.

Graças às investigações históricas exibidas nos Volumes 1 e 2 desta coleção – com ênfase no importante e decisivo período de 1806 a 1916 –, é possível conhecer as bases da formação e da consolidação do Estado argentino. Ambos estágios, marcados por fortes turbulências política, militar e social, revelam vínculos, idiossincrasias e preferências materiais e imateriais que ligam épocas antigas ao presente do povo argentino.

O Volume 2 aborda o período de desenvolvimento do Estado liberal na Argentina, da década de 1850 em diante, tendo a modernização do país ocorrido apenas a partir da década de 1880, atrelada a extraordinários crescimentos econômico e populacional e a medidas de centralização nacional (delimitação de fronteiras, capital oficial, exército, moeda padronizada, leis, ensino orgânico etc.). Por fim, explica-se como as elites tradicionais argentinas enfraqueceram (desde dentro) nas primeiras décadas do século XX, tendo como pedra fundamental as mudanças eleitorais conduzidas por Roque Sáenz Peña em 1912. Isso resultou no voto universal e, também por outros motivos, no fim do predomínio da política oligárquica conservadora no país. Em 1916 surgiu o primeiro governo nacional, com Hipólito Yrigoyen eleito democraticamente e a Argentina já totalmente inserida no mercado capitalista internacional, tendo a carne bovina e cereais como principais produtos.

 

Coleção História da Argentina:

Volume 1: Volume 2:    
 
A formação da Argentina: Da independência das Províncias Unidas à Confederação Autoritária (1806-1852) A consolidação da Argentina: Da ascensão à plenitude do Estado liberal (1852-1916)    

Texto de abas

CPS

Saberes empíricos presentes em livros históricos como este ajudam a organizar a memória de forma crítica e criar, por exemplo, fundamentos sobre o sentido da sociedade, da política e da cultura de um povo.

Na contracapa desta obra falou-se de uma Argentina rica, acolhedora de imigrantes e com uma cultura singular. A leitura dos Volumes 1 e 2 da Coleção História da Argentina, porém, revela menos jubilosas as origens desses fatos, a exemplo do processo de aniquilação e/ou expurgo de povos nativos do sul da América, em prol de uma produção agrícola e pecuária destinada ao mercado capitalista internacional, enriquecendo a poucos, e sacrificando a muitos, inclusive aos que ajudaram o país a experimentar a sua Belle Époque nos séculos XIX e XX.

Este livro – Volume 2 da Coleção História da Argentina – aborda o período de 1852 a 1916, de consolidação do Estado, isto é, solidificação de leis, exército, território, ensino etc., com caráter nacional. Isso ocorreu nas presidências de Urquiza e Derqui (na Confederação) e de Mitre e outros (na República Argentina). Entre 1862 e 1868, Mitre promoveu a ascensão do novel Estado liberal, impondo forte controle sobre as províncias e liderando o exército aliado na guerra contra o Paraguai. Sarmiento, entre 1868 e 1874, destacou-se por obras educacionais, e depois Avellaneda encerrou o ciclo inicial de reformas centralizadoras, enfrentando levantes armados, assim como o seu sucessor, Roca, quem, aliás, na década de 1870, liderou a Conquista do Deserto, tomando para o governo os últimos territórios indígenas do extremo sul e norte argentinos. Roca também foi a máxima expressão da Geração de 1880, um grupo de pessoas que controlaria a nação por 36 anos e concluiria a centralização do poder, impondo padronização de moeda, educação laica, instituição do matrimônio civil e serviço militar obrigatório.

Duas revoluções tentaram frear o domínio oligárquico, e críticas culturais à concentração de poderes já ocorriam há décadas. Fato é que, mesmo tendo a Argentina graves contradições financeiras e sociais, adentrou o século XX com a economia estável, fruto das exportações em ritmo alto. Vivia-se a plenitude do Estado liberal, e a festa do seu Centenário em 1910 provou isso ao mundo.

A quebra do paradigma instaurado pela Geração de 1880 deu-se em 1916, com as eleições democráticas na Argentina. Os detalhes e as imagens que ilustram esta obra, garantem uma leitura aventurosa, que, entre outras coisas, ensina a valorizar a conquista da democracia.

Nota do autor

Eduardo Dalla Lana Baggio

[...]

A pesquisa que derivou nestes dois livros de minha autoria – Volumes 1 e 2, da Coleção História da Argentina – são independentes dos meus escritos universitários. Fiz o curso de graduação em História (Licenciatura Plena) na Universidade Franciscana (UFN) de Santa Maria, entre 2004 e 2007, o qual me oportunizou escrever o trabalho final de graduação intitulado “Mídia, fotografia e beleza urbana: artifícios de poder e convencimento (Santa Maria/1937-1941)”, com orientação de Roselâine Casanova Corrêa. Tratava-se do meu primeiro contato com uma pesquisa que envolvia questões políticas e culturais. Depois fiz o curso de mestrado na Universidade de Passo Fundo (UPF), onde ampliei a pesquisa sobre a história urbana e de Santa Maria, durante o período do Estado Novo. Defendida e aprovada em 2010, a minha dissertação intitula-se “Poder e convencimento: a urbanização vista pelas elites letradas (1937-1941)”, com orientação de Ana Luiza Setti Reckziegel. Faziam parte da banca os professores Sandra Maria Lubisco Brancato e Luiz Carlos Tau Golin.

O meu interesse sobre a história da Argentina aumentou em 2014 quando fui presenteado com pilhas de livros sobre a América Latina e a Argentina, a maioria em espanhol. O obséquio veio da professora Elisabeth Weber Medeiros, de quem fui aluno na graduação da UFN, em mais de uma cadeira de História da América Latina, e de quem fui monitor na disciplina de História da América Pré-Colombiana. Eram tantas obras, que enchiam uma estante pequena.

Inspirações para escrever sobre a Argentina também vieram d’outras obras e leituras, a exemplo da Civilização ocidental: uma história concisa, do historiador norte-americano Marvin Perry, e da Western Civilization: ideas, politics, and society, organizada também por Perry. Ambos livros expõem os panoramas político, econômico, social e cultural do mundo ocidental, além de, por seu conjunto informativo, sugerirem ser sim possível escrever sucintamente uma história de temáticas abrangentes, sem ser superficial ou prolixa. Outra obra digna de nota é a intitulada América: passado e presente, que trata dos Estados Unidos e foi compilada por vários historiadores, como Robert A. Divine e Thomas H. Breen. Também foi inspirador ter lido os três volumes de História Geral da Europa, dos historiadores franceses Pierre Grimal, Jean Bérenger, Philippe Contaminee François-George Dreyfus.

Percebi haver no Brasil poucos trabalhos publicados sobre a história concisa da Argentina, estando entre eles a Breve história da Argentina, de José Luis Bendicho Beired, que abrange o período entre a conquista espanhola e a década de 1990. As publicações de obras com recortes históricos específicos são ainda mais raras, embora se sobressaia a História contemporânea da Argentina, do renomado historiador argentino Luis Alberto Romero, que trata do período de 1916 a 2002. É ainda importante citar o trabalho conjunto dos historiadores Fernando J. Devoto e Boris Fausto, Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada, que trata do período entre 1850 e 2002, obra com o duplo mérito de apresentar a história argentina ao público brasileiro e aproximar os seus diferentes processos históricos dos nossos.

Foi em 2017 que, após inúmeras leituras e assimilações de eventos históricos, a ideia de escrever sobre a Argentina converteu-se em ação, e o resultado foi a compilação de dois livros. A linha de pesquisa foi política e cultura e as relações destas com a evolução histórica do país argentino, com ênfase no importante e decisivo período de 1806 a 1916. Não houve ambição de produzir uma escrita dita “completa”. O maior desafio foi transcrever concisa e claramente os contextos mais importantes da formação do país vizinho, de modo a contribuir com o conhecimento desse passado e propiciar mais entendimento sobre os vínculos que ligam épocas antigas ao presente do povo argentino.

O Volume 1, da Coleção História da Argentina, intitulado “A formação da Argentina: da independência das Províncias Unidas à Confederação Autoritária (1806-1852)”, relata, inicial e brevemente, as imbricações de interesses entre colonizadores, nativos e seus descendentes no território da hoje Argentina. Depois aborda a história da formação do país, com ênfase no contexto da sua independência aberto em 1806, desde as invasões inglesas até o término do projeto continental de libertação, conduzido por José de San Martín. Na sequência, aborda-se o período de autonomias provinciais e a construção do poder político de Buenos Aires sobre as demais províncias, sob os desígnios de Juan Manuel de Rosas, que se estenderam até a decadência da Confederação Autoritária em meados do século XIX.

Já o Volume 2, intitulado “A Argentina consolidada: da ascensão à plenitude do Estado liberal (1852-1916)”, trata do período de desenvolvimento do Estado liberal na Argentina, da década de 1850 em diante. Depois, abarca-se o período de modernização do Estado a partir da década de 1880, com seus eventos ligados à centralização, como a delimitação de fronteiras, capital oficial, exército nacional, moeda padronizada, leis e ensino orgânico, entre outras. Por fim, apresenta-se o contexto do fim do predomínio da política oligárquica no país em 1916 e a ascensão do primeiro governo nacional, com Hipólito Yrigoyen eleito democraticamente. Todas as épocas apresentadas possuem seções com substanciais descrições e problematizações do contexto cultural específico que acompanhou cada processo.

***

Escrever essa história, que abrangeu o século XIX e os primeiros dezesseis anos do século XX da Argentina, fez-me entender o sentido da comparação feita por Marc Bloch, quando disse que os historiadores são como juízes, por sua missão de pesquisar sobre o que ocorreu, recolhendo testemunhos para tentar reconstruir a realidade. Contudo, diante de testemunhas e de suas memórias passíveis de dúvida, torne-se impossível levar em consideração os depoimentos sem qualquer tipo de ressalvas. Há que estar ciente de que “a arte de discernir entre o verdadeiro, o falso e o verossimilhante nesses relatos chama-se ‘crítica histórica’”. Só assim é possível apresentar com credibilidade, segundo palavras de Bloch, “batalhas que nunca assisti” e acontecimentos sobre os quais “não sabemos nada a não ser pelos relatos dos homens que viram esses eventos realizarem-se”. (1) Por essa razão em nossa área de conhecimento frisa-se com exaustão aos alunos da Educação Básica ou Superior ser prerrogativa do historiador valer-se de metodologia científica e de fontes históricas diversas para problematizar, refletir, concluir e, só então, aproximar-se da realidade histórica.

A densa e rica bibliografia produzida na Argentina, desde os primeiros historiadores liberais, e depois pelos revisionistas e os mais contemporâneos, fornece respostas para inúmeros questionamentos a respeito do seu processo histórico. As obras que compõem as referências deste livro foram escolhidas de modo que surtissem visões abrangentes sobre os eventos históricos do país. Aí estão incluídos autores consagrados na Argentina e no exterior, e a importância que dei à interpretação dessas fontes também é justificada pela grande utilização de citações diretas, as quais fiz questão traduzir para o português. A fim de apresentar informações o mais próximas possível do período histórico em que os fatos ocorreram, vali-me de fontes primárias, que consistem em documentos integrais ou excertos de importantes atas, leis, constituições, proclamações e tratados diplomáticos do governo federal ou das províncias.

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Este livro – Volume 2 – contém quatro seções, e as duas primeiras tratam do mesmo tema, devido à importância dos eventos de consolidação nacional pós-rosismo e ao delineamento de características que seguem presentes na Argentina atual. No Capítulo 1 – Consolidação nacional (I) (1852-1870), são apresentadas as duas primeiras décadas em que muitas das características de uma Argentina unificada começaram a ser traçadas. Por “Estado consolidado”, genericamente se entende uma nação na qual as leis, o exército, o território, o ensino, estão presentes e solidificados. Durante o período das “presidências históricas” de Urquiza e Santiago Derqui (da Confederação), e de Mitre (da República Argentina), muitos dos aspectos referidos foram assentados num plano orgânico levado adiante pelo governo central. Ademais, a Constituição de 1853, fundamental para a conformação do país, foi aprovada, e teria vida longa. No entanto, Buenos Aires, que havia realizado uma secessão da Confederação em 1854, mostrou em diversos momentos, como de costume inconformidade com a manutenção de um projeto nacional federalista. O desfecho ocorreu em 1862, com a derrota de Urquiza para Mitre. O fato, muito além de significar o fim da Confederação, conduziu à ascensão do Estado liberal na República Argentina e o cumprimento de um programa cruento de submissão das províncias, que implicou repressão a opositores, como Angel Vicente Peñaloza e Felipe Varela, e às suas montoneras gauchas. A participação da Argentina na Guerra do Paraguai fez-se impopular país afora, dado a que muitas províncias argentinas compartilhavam com os paraguaios uma hostilidade a Mitre. A impopularidade também se deveu ao consumo de homens e de recursos, assim como ao fato de a guerra ter se tornado desigual após a tomada de Assunção. Para muitos críticos, o sacrifício de argentinos era incalculável, e o avanço sobre territórios tomados do Paraguai só era conveniente a uns poucos.

Já o Capítulo 2 – Consolidação nacional (II) (1868-1885) inicia no momento em que Sarmiento sucedeu a Mitre no comando do país, dando continuidade às intervenções nas províncias e às reformas centralizadoras. A obra educacional de Sarmiento consistiu na criação de escolas normais, o que, em poucos anos, reduziu significativamente o índice de analfabetismo no país. Ao mesmo tempo, levas de imigrantes chegavam à Argentina graças à subvenção governamental. Por fim, foi Avellaneda quem encerrou esse ciclo na política argentina, em meio a questionamentos da eleição que o levou à presidência (em 1874), assim como ocorreria com a de seu sucessor, Roca, em 1880. Ambos momentos geraram levantes (comandados por portenhos como Mitre e Carlos Tejedor), consequências da oposição de interesses entre políticos portenhos e provinciais. Tais eventos expuseram lacunas do Estado liberal argentino. A revolta de Tejedor, no entanto, tinha como causa algo bem mais profundo, a federalização de Buenos Aires e o controle de sua receita e aduana pelo governo central, não mais pela província. A vitória de Roca no acesso à presidência da República simbolizou não apenas o quão coeso e sólido era o grupo político provinciano, mas também a força da ingerência de seu chefe, Roca, quem comandara desde 1878 a Conquista do Deserto. Essa campanha, com nome de “conquista”, deu-se contra os índios e perdurou até 1885, tendo como justificativa pelos malones, isto é, os frequentes ataques de nativos a povoados em limites de províncias argentinas. A campanha só terminou quando o governo conquistou as gigantes extensões da Patagônia. As mortes, deportações e submissões de milhares de nativos em trabalhos forçados – ranqueles, mapuches, pehuenches, entre outros – foram as maiores consequências da ação armada, que conseguiu atender aos interesses da classe terratenente e dos próprios chefes político-militares, contemplados com boa parte das terras incorporadas ao território nacional.

O período de consolidação do Estado também trouxe muitas reflexões e produções culturais que representavam a reação de indivíduos da sociedade argentina diante de um poder centralizado, cuja ingerência sobre os cidadãos era maior do que em qualquer outro período passado. Aqui vale lembrar que, para uma melhor compreensão da ciência histórica enquanto processo, também são consultadas obras das áreas de filosofia, pedagogia, literatura, arte, pintura, arquitetura etc. A pluralidade de informações fornecidas por essas disciplinas oferece inestimável recurso de entendimento das mentalidades de quem viveu e esteve diretamente envolvido nas épocas passadas. Como afirmou Marc Bloch, “se não for possível conseguir a multiplicidade das competências num mesmo homem (o historiador), pode-se encarar-se uma aliança de técnicas praticadas por eruditos diferentes”. (2) Feita essa ressalva, tem-se como importante mostra do pensamento argentino da época em análise a obra literária intitulada Martín Fierro, de José Hernández, por revelar a realidade social imposta pelo Estado aos gauchos, que foram desgarrados de suas ocupações tradicionais, num momento de cercamento de campos e maior controle sobre os seus movimentos pelos poderes provinciais. Discriminados pelas classes superiores, tratados como ladrões e delinquentes, os gauchos não tinham lugar no país que vinha assumindo novas características, beneficiadoras dos ricos proprietários. Com Martín Fierro, Hernández conseguiu não apenas marcar a presença de um personagem no cânone literário mundial, mas fazer os argentinos de diferentes gerações terem com ele uma forte identificação. O sucesso foi tanto que houve releituras de paradigmas nesse processo, como no conto de Jorge Luis Borges, em que o personagem Tadeo Isidoro Cruz passa por uma transfiguração, cuja culminância foi na “noite em que por fim viu seu próprio rosto, na noite em que por fim ouviu seu nome”, na qual experimentou “o momento em que o homem sabe para sempre quem é”. (3) Enfim, o universalismo de Martín Fierro foi consagrado. Anos após a sua publicação ocorreu uma valorização do gaucho argentino, que se valeu indefectivelmente da memória dessa obra, assim como da das produções calcadas nas características do criollismo cultural, como uma reação à crescente dissolução da Argentina tradicional ante o cosmopolitismo fruto da expansão econômica e da imigração.

Esses últimos pontos ocupam lugar central no Capítulo 3 – A República conservadora (1880 a 1904), delimitado no período das presidências de Roca e de seus correligionários conservadores. Sob o lema “Paz e administração”, a Argentina se inseriu definitivamente no mercado capitalista mundial como grande exportador de carne congelada e cereais, enquanto dependia de investimentos estrangeiros, sobretudo ingleses, para realizar a melhoria de portos, indústrias, frigoríficos e da infraestrutura de estradas de ferro para ligar a Buenos Aires as províncias e terras há pouco conquistas dos indígenas, então ocupadas pela produção cerealífera e por rebanhos de gado. Do porto da capital federal, os produtos argentinos seguiam para os mercados consumidores estrangeiros, dinâmica que proporcionou os mais vultosos lucros às oligarquias nacionais. Muitos integrantes dessas oligarquias, eram da mesma elite política e intelectual, e isso não era coincidência. A política hegemônica no poder era influenciada pelas ideias do liberalismo clássico e do positivismo, e seus “notáveis” provinham do grupo da Geração de 1880, que se consideravam os mais sãos e capazes de governar o país. Essas pessoas, ao todo, controlariam o destino da nação por 36 anos, tendo durante o período roquista a sua máxima expressão, concluindo a obra de centralização do poder também via padronização da moeda, da educação laica e da instituição do matrimônio civil e do serviço militar obrigatório. A hegemonia dessas oligarquias, porém, não foi reconhecida por novas aglutinações políticas opositoras que emergiram na década de 1890, o que levou a confrontos, a exemplo da Revolução do Parque e da Revolução de 1893, tanto em Buenos Aires como noutras províncias do país. Embora derrotado no segundo levante, o radicalismo do opositor Leandro N. Alem obrigou a renúncias ministeriais e presidenciais no então governo, além de ter conseguido aperfeiçoar a sua ação e ter notável crescimento nas eleições regionais e na província de Buenos Aires. Nesse momento, o sistema conservador passava pelo seu primeiro grande desafio, mas, embora fragilizado, ainda levou Roca a um segundo mandato, pois este era considerado o único capaz de sustentar a ordem e ainda resolver um estado de beligerância com o Chile. Também se aborda neste capítulo como e em que condições o fenômeno migratório cresceu, de forma exponencial, contribuindo para tornar a Argentina um país de contrastes étnicos e um dos que mais recebeu europeus na América, tendência que se manteve no começo do século XX.

Os desgastes do partido oficialista foram provocados também por dissidências de políticos proeminentes, e o roquismo acabou dando lugar a novos personagens dentro da esfera conservadora, como mostrado no Capítulo 4 – A nação na modernidade (1904 a 1916). O clima econômico estável continuou devendo-se às exportações em ritmo alto, e foi essa Argentina na plenitude de seu Estado liberal e na sua pujança econômica que as elites governamentais procuraram apresentar à coletividade das nações na festa do seu Centenário em 1910. Entretanto, o oficialismo vinha sendo atacado por radicais, socialistas e anarquistas, enquanto manifestações de trabalhadores, greves e protestos espalhavam-se pelo país. A resposta das forças policiais e das autoridades foi uma forte repressão e o estado de sítio. A insubordinação de algumas províncias levou também a duras intervenções federais. A necessidade de abertura do sistema político ficou bem clara ante desse quadro, e numa tentativa de incorporar os excluídos da política, por iniciativa do presidente Roque Sáenz Peña, foi aprovada em 1912 a lei eleitoral, que inaugurou o sufrágio universal masculino na Argentina. Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o estado de tensão entre as potências europeias influiu no comportamento das nações sul-americanas, com Brasil e Argentina protagonizando uma corrida armamentista promotora de um clima de desconfiança mútua, e que, com muito esforço, a diplomacia procurou neutralizar. Por fim, em 1916, como resultado da lei eleitoral, ocorreram as primeiras eleições presidenciais democráticas e sem fraudes no país argentino. O líder radical Hipólito Yrigoyen venceu o pleito e abriu caminho para uma nova etapa da história da nação.

O Centenário da Argentina e o cosmopolitismo da sociedade trouxeram, mais uma vez, prolíficas manifestações culturais, do pensamento histórico-político às artes. Buenos Aires se convertera numa “Paris da América” em sua organização e estética urbanas e na maior capital da costa atlântica depois de Nova York, ao passo que as diferenças sociais abismais nela criadas sensibilizaram intelectuais de diferentes formas. Houve os que imaginaram a cidade abarcar um “crisol de raças”, que era uma imposição de uma identidade nacional, a “argentinidade”, via educação patriótica. Também os autores da literatura e da música popular, com temáticas criollistas e descrições originais de bairros portenhos tratavam de mostrar a desigualdade, a pobreza e a miséria dos habitantes dos conventillos bonaerenses. Essas manifestações retratavam uma nação cheia de contradições: embora anunciada ao mundo como moderna, por suas elites dirigentes, estando entre as dez maiores economias do mundo e com renda do comércio exterior muito maior que a de seus vizinhos latino-americanos, a sua produção de riquezas, na verdade, estava longe de repercutir condições favoráveis à maioria dos argentinos, e eram centenas os trabalhadores urbanos e rurais explorados e indígenas marginalizados.

Entretanto, em 1916 a Argentina era um dos países com maior índice de alfabetização da América Latina, com escolas fundamentais e secundárias com estrutura e qualificação de professores acima da média do continente; possuía uma extensa rede ferroviária ligando as províncias e os territórios nacionais, e Buenos Aires possuía bondes, metrô e iluminação pública eficientes, assim como livrarias, centenas de jornais e círculos intelectuais diversificados; a classe média do país tinha um padrão de vida que se sobressaía na América do Sul, devido ao dinamismo das atividades comerciais; e os trabalhadores tinham sindicatos organizados e atuantes. Este era o ambiente resultante da interação de fatores econômicos, da imigração, da emergência de novos grupos políticos, e nele que foi construída uma outra etapa na história do país.

Para muitos estrangeiros que visitaram o país na época do Centenário, havia certa opinião generalizada de que a infância da nação havia sido deixada para trás, e de que uma adolescência de notável energia se revelava, carregada de doses de incertezas e otimismo, que precedem a maturidade. O certo é que o país ingressava, em 1916, numa nova época, chegando a uma espécie de zênite nos diversos aspectos narrados de seu desenvolvimento, e isso se devia aos percursos iniciados desde a sua independência, passando por sua formação e consolidação até chegar à modernização. À semelhança da Europa, que, antes da Primeira Guerra Mundial experimentou a sua Belle Époque, a Argentina em 1910 também experimentava a sua, que duraria praticamente até o final da década de 1920. Após cem anos de sua concepção, o país gozava de pujança econômica, comprovável pelos grandes de volumes de exportações ostentados na comunidade internacional. Isso tudo conferia à Argentina um papel de proeminência na América do Sul.

***

Algo que permeia todos os capítulos dos Volumes 1 e 2 desta coleção é a constante referência a aspectos culturais da história da Argentina, não apenas pela importância do repertório intelectual, literário, artístico e folclórico daquele país, mas também por ser esta uma estratégia docente de mais de uma década. Priorizar a cultura nas explicações proporciona factibilidade à compreensão histórica (dívida essa que nós, historiadores, temos com a Escola dos Annales) e torna mais fácil a assimilação do contexto histórico. Trechos de obras filosóficas ou literárias, telas ou registros de produções musicais de época, enfim, tudo o que aparece nestes livros tem relevância na explicação dos perfis sociais, governamentais, econômicos, bélicos etc. Nada mais coerente com o que veio desenhando-se na escrita da história há bom tempo, e que teve sua antecipação na bem conhecida assertiva de Voltaire: ao investigar a história, “eu gostaria de descobrir qual era então a sociedade dos homens, como se vivia no interior das famílias, quais artes eram cultivadas”. (4) Narrativa histórica, ao ser construída, não deve mesmo se limitar apenas ao que consta nos registros escritos oficiais.

Por fim, vale a pena lembrar que desvendar o processo histórico que conecta os argentinos ao seu passado, assim como elementos da política, da econômica e da cultura do país hoje chamado Argentina – o qual, assim como o Brasil, formou-se há relativamente pouco tempo, e cuja consciência de identidade nacional é mais recente ainda –, é uma das grandes recompensas que a leitura deste livro oferece. A outra grande recompensa são as pistas para se compreender o próprio presente, seja na condição de argentino, seja na de brasileiro ou de latino-americano. Se este livro puder transmitir de forma satisfatória esses conhecimentos, ou mesmo instigar o leitor a perguntar-se não apenas “quem são os argentinos?”, mas também “quem são os brasileiros?”, então esta escrita terá cumprido a sua missão.


(1)     BLOCH, Marc. Critique historique et critique du témoignage. In: Annales. Économies, Societés, Civilizations 5e année. Paris, jan.-mar. 1950. n. 1. p. 1-2.

(2)     BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Trad. Ana Rabaça. 2. ed. Lisboa: Europa-América, 2003. p. 127.

(3)     BORGES, Jorge Luis. Biografia de Tadeo Isidoro Cruz (1829-1874). In: BORGES, Jorge Luis. O aleph. 1. reimp. Trad. Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 51.

(4)     PORSET, Charles. Deux emblèmes du siècle des Lumières. In: LENOIR, Claude-Jean (Org.). La tolérance ou la libertè? Bruxelas: Complexe, 1997. p. 54.

 

Sumário

NOTA DO AUTOR / 9

CAPÍTULO 1 – CONSOLIDAÇÃO NACIONAL (I) (1852-1870) / 33
A Argentina constitucional / 33
O advento do Estado liberal / 71
Novas tensões no Prata / 108
A Guerra do Paraguai / 130
Aspectos econômicos / 189

CAPÍTULO 2 – CONSOLIDAÇÃO NACIONAL (II) (1868-1885) / 203
Uma era de transformações / 203
A Conquista do Deserto / 254
A economia e a sociedade / 290
Aspectos culturais / 326

CAPÍTULO 3 – A REPÚBLICA CONSERVADORA (1880-1904) / 367
O predomínio político das oligarquias / 367
As revoltas da década de 1890 / 399
A pujança econômica e os contrastes sociais / 426
A imigração / 467
Crises e instabilidades / 496
Aspectos culturais / 533

CAPÍTULO 4 – A NAÇÃO NA MODERNIDADE (1904-1916) / 571
Novas linhas de governo / 571
A mobilização social / 586
A economia e a sociedade / 600
Aspectos culturais / 650
As mudanças políticas e a reforma eleitoral / 718

CRONOLOGIA / 771

REFERÊNCIAS / 787
Fontes primárias / 787
Fontes secundárias / 789
Mídias / 796
Web / 796

CADERNO DE COR / 807

 
 

 

   
   
      


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Argentina: História. Estado Liberal. República Conservadora. Modernidade.