Contracapa
Charles Pimentel da Silva, Editor de livros
A Coleção História da Argentina é uma
''viagem'' ao passado profundo da nação sul-americana uma vez conhecida por sua pujante riqueza, grande demanda por imigrantes e singular produção cultural.
Graças às investigações históricas exibidas nos Volumes 1 e 2 desta coleção – com ênfase no importante e decisivo período de 1806 a 1916 –, é possível conhecer as bases da formação e da consolidação do Estado argentino. Ambos estágios, marcados por fortes turbulências política, militar e social, revelam vínculos, idiossincrasias e preferências materiais e imateriais que ligam épocas antigas ao presente do povo argentino.
O Volume 1 aborda a etapa histórica de imbricações de interesses entre colonizadores, indígenas e seus descendentes no território da hoje Argentina. Explica, na sequência, o contexto de independência aberto em 1806 (desde as invasões inglesas até o fim do projeto continental de libertação, comandado por San Martín) e, por fim, relata os principais eventos do período de autonomias provinciais e de construção do poder político de Buenos Aires sobre as demais províncias argentinas, sob os desígnios de Juan Manuel de Rosas, um processo que se estendeu até a decadência da Confederação Autoritária em meados do século XIX.
Coleção História da Argentina:
Texto de abas
CPS
Saberes empíricos presentes em
livros históricos como este ajudam a organizar a memória de forma crítica e criar, por exemplo, fundamentos sobre o sentido da sociedade, da política e da cultura de um povo.
Na contracapa desta obra falou-se de uma Argentina rica, acolhedora de imigrantes e com uma cultura singular. A leitura dos Volumes 1 e 2 da Coleção História da Argentina, porém, revela menos jubilosas as origens desses fatos, a exemplo do processo de aniquilação e/ou expurgo de povos nativos do sul da América, em prol de uma produção agrícola e pecuária destinada ao mercado capitalista internacional, enriquecendo a poucos, e sacrificando a muitos, inclusive aos que ajudaram o país a experimentar a sua Belle Époque nos séculos XIX e XX.
Este livro – Volume 1 da Coleção História da Argentina – aborda épocas anteriores à supracitada: descreve a vida dos povos indígenas no espaço da hoje Argentina; explica a ocupação e o povoamento da região por espanhóis entre 1516 e 1805 e, fruto disso, os atritos entre nativos, ''criollos'', espanhóis, portugueses e outros quando a Argentina era apenas periferia da Espanha na América. Após a criação do Vice-Reino do Prata, porém, tudo mudou, a exemplo do comércio e das contradições sociais, que se amplificaram bastante.
Em época de convulsões na Europa, o ano de 1810 propiciou a Revolução de Maio e a criação da primeira junta de governo autônomo em Buenos Aires. Graças aos esforços do general San Martín e d'outros, surgiu em 1816 um país em formação – as Províncias Unidas do Rio da Prata – e, no embalo, disputas provinciais intensas e incessantes, que só se relativizaram com o Pacto Federal de 1831, de Juan Manuel de Rosas. Daí advém a Confederação Argentina, uma união de províncias liderada
por Rosas, a qual, à causa de contradições políticas, logo passaria de autoritária a
ditatorial e pautaria, até 1853, renhidas disputas entre federalistas (adeptos das autonomias provinciais) e unitários (a favor de uma nova centralização de poder).
Há detalhes impressionantes nas páginas deste livro sobre as mudanças de paradigma seguidas de guerras (ou vice-versa), também sobre escravidão, religião, movimentos sociais, cultura, literatura, subjetividade, gênero, arte, vida urbana, arquitetura etc.
Isso faz desta leitura uma investigação aventurosa, cheia de aprendizados interessantes, a exemplo do quão árdua foi a construção das bases do jovem país argentino, em caótica busca por identidade republicana e espírito democrático.
Nota do autor
Eduardo Dalla Lana Baggio
[...]
A pesquisa que derivou nestes dois livros de minha autoria – Volumes 1 e 2, da Coleção História da Argentina – são independentes dos meus escritos universitários. Fiz o curso de graduação em História (Licenciatura Plena) na Universidade Franciscana (UFN) de Santa Maria, entre 2004 e 2007, o qual me oportunizou escrever o trabalho final de graduação intitulado “Mídia, fotografia e beleza urbana: artifícios de poder e convencimento (Santa Maria/1937-1941)”, com orientação de Roselâine Casanova Corrêa. Tratava-se do meu primeiro contato com uma pesquisa que envolvia questões políticas e culturais. Depois fiz o curso de mestrado na Universidade de Passo Fundo (UPF), onde ampliei a pesquisa sobre a história urbana e de Santa Maria, durante o período do Estado Novo. Defendida e aprovada em 2010, a minha dissertação intitula-se “Poder e convencimento: a urbanização vista pelas elites letradas (1937-1941)”, com orientação de Ana Luiza Setti Reckziegel. Faziam parte da banca os professores Sandra Maria Lubisco Brancato e Luiz Carlos Tau Golin.
O meu interesse sobre a história da Argentina aumentou em 2014 quando fui presenteado com pilhas de livros sobre a América Latina e a Argentina, a maioria em espanhol. O obséquio veio da professora Elisabeth Weber Medeiros, de quem fui aluno na graduação da UFN, em mais de uma cadeira de História da América Latina, e de quem fui monitor na disciplina de História da América Pré-Colombiana. Eram tantas obras, que enchiam uma estante pequena.
Inspirações para escrever sobre a Argentina também vieram d’outras obras e leituras, a exemplo da Civilização ocidental: uma história concisa, do historiador norte-americano Marvin Perry, e da Western Civilization: ideas, politics, and society, organizada também por Perry. Ambos livros expõem os panoramas político, econômico, social e cultural do mundo ocidental, além de, por seu conjunto informativo, sugerirem ser sim possível escrever sucintamente uma história de temáticas abrangentes, sem ser superficial ou prolixa. Outra obra digna de nota é a intitulada América: passado e presente, que trata dos Estados Unidos e foi compilada por vários historiadores, como Robert A. Divine e Thomas H. Breen. Também foi inspirador ter lido os três volumes de História Geral da Europa, dos historiadores franceses Pierre Grimal, Jean Bérenger, Philippe Contaminee François-George Dreyfus.
Percebi haver no Brasil poucos trabalhos publicados sobre a história concisa da Argentina, estando entre eles a Breve história da Argentina, de José Luis Bendicho Beired, que abrange o período entre a conquista espanhola e a década de 1990. As publicações de obras com recortes históricos específicos são ainda mais raras, embora se sobressaia a História contemporânea da Argentina, do renomado historiador argentino Luis Alberto Romero, que trata do período de 1916 a 2002. É ainda importante citar o trabalho conjunto dos historiadores Fernando J. Devoto e Boris Fausto, Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada, que trata do período entre 1850 e 2002, obra com o duplo mérito de apresentar a história argentina ao público brasileiro e aproximar os seus diferentes processos históricos dos nossos.
Foi em 2017 que, após inúmeras leituras e assimilações de eventos históricos, a ideia de escrever sobre a Argentina converteu-se em ação, e o resultado foi a compilação de dois livros. A linha de pesquisa foi política e cultura e as relações destas com a evolução histórica do país argentino, com ênfase no importante e decisivo período de 1806 a 1916. Não houve ambição de produzir uma escrita dita “completa”. O maior desafio foi transcrever concisa e claramente os contextos mais importantes da formação do país vizinho, de modo a contribuir com o conhecimento desse passado e propiciar mais entendimento sobre os vínculos que ligam épocas antigas ao presente do povo argentino.
O Volume 1, da Coleção História da Argentina, intitulado “A formação da Argentina: da independência das Províncias Unidas à Confederação Autoritária (1806-1852)”, relata, inicial e brevemente, as imbricações de interesses entre colonizadores, nativos e seus descendentes no território da hoje Argentina. Depois aborda a história da formação do país, com ênfase no contexto da sua independência aberto em 1806, desde as invasões inglesas até o término do projeto continental de libertação, conduzido por José de San Martín. Na sequência, aborda-se o período de autonomias provinciais e a construção do poder político de Buenos Aires sobre as demais províncias, sob os desígnios de Juan Manuel de Rosas, que se estenderam até a decadência da Confederação Autoritária em meados do século XIX.
Já o Volume 2, intitulado “A Argentina consolidada: da ascensão à plenitude do Estado liberal (1852-1916)”, trata do período de desenvolvimento do Estado liberal na Argentina, da década de 1850 em diante. Depois, abarca-se o período de modernização do Estado a partir da década de 1880, com seus eventos ligados à centralização, como a delimitação de fronteiras, capital oficial, exército nacional, moeda padronizada, leis, ensino orgânico etc. Por fim, apresenta-se o contexto do fim do predomínio da política oligárquica no país em 1916 e a ascensão do primeiro governo nacional, com Hipólito Yrigoyen eleito democraticamente. Todas as épocas apresentadas possuem seções com substanciais descrições e problematizações do contexto cultural específico que acompanhou cada processo.
***
Escrever essa história, que abrangeu o século XIX e os primeiros dezesseis anos do século XX da Argentina, fez-me entender o sentido da comparação feita por Marc Bloch, quando disse que os historiadores são como juízes, por sua missão de pesquisar sobre o que ocorreu, recolhendo testemunhos para tentar reconstruir a realidade. Contudo, diante de testemunhas e de suas memórias passíveis de dúvida, torne-se impossível levar em consideração os depoimentos sem qualquer tipo de ressalvas. Há que estar ciente de que “a arte de discernir entre o verdadeiro, o falso e o verossimilhante nesses relatos chama-se ‘crítica histórica’”. Só assim é possível apresentar com credibilidade, segundo palavras de Bloch, “batalhas que nunca assisti” e acontecimentos sobre os quais “não sabemos nada a não ser pelos relatos dos homens que viram esses eventos realizarem-se”. (1) Por essa razão em nossa área de conhecimento frisa-se com exaustão aos alunos da Educação Básica ou Superior ser prerrogativa do historiador valer-se de metodologia científica e de fontes históricas diversas para problematizar, refletir, concluir e, só então, aproximar-se da realidade histórica.
A densa e rica bibliografia produzida na Argentina, desde os primeiros historiadores liberais, e depois pelos revisionistas e os mais contemporâneos, fornece respostas para inúmeros questionamentos a respeito do seu processo histórico. As obras que compõem as referências deste livro foram escolhidas de modo que surtissem visões abrangentes sobre os eventos históricos do país. Aí estão incluídos autores consagrados na Argentina e no exterior, e a importância que dei à interpretação dessas fontes também é justificada pela grande utilização de citações diretas, as quais fiz questão traduzir para o português. A fim de apresentar informações o mais próximas possível do período histórico em que os fatos ocorreram, vali-me de fontes primárias, que consistem em documentos integrais ou excertos de importantes atas, leis, constituições, proclamações e tratados diplomáticos do governo federal ou das províncias.
***
Este livro – Volume 1 – contém quatro seções, iniciando pelo Capítulo 1 – Retrospecto colonial, que é uma síntese da ocupação e povoamento do território (hoje) argentino entre 1516 e 1805, período compreendido entre a expedição de Juan Díaz de Solís ao Rio da Prata e o declínio da colonização espanhola na América, às vésperas dos apuros que a metrópole na Espanha passaria nas mãos da França napoleônica. Embora tal delimitação temporal tenha iniciado com a chegada dos espanhóis ao Prata, antes disso se fala da organização e características dos povos indígenas que habitavam o território da Argentina. Depois, sim, é retratado o contexto da conquista e as dificuldades que a região da futura Argentina atravessou em seus primórdios de colonização, sendo praticamente a periferia do mundo espanhol na América do Sul, e ainda envolta em disputas territoriais com os portugueses. Tal condição só se alterou com as reformas bourbônicas e a criação do Vice-reino do Prata, que surgiram à causa das atividades econômicas na região e do dinâmico movimento no porto de Buenos Aires. Daí em diante, tais atividades só se intensificariam. Ao mesmo tempo, ditas reformas e a criação do Vice-reino deveram-se à intenção da Espanha em fazer valer as suas prerrogativas nos confrontos a Portugal.
Já o Capítulo 2 – O processo de independência proporciona entendimentos de como, inicialmente, as duas décadas entre 1806 e 1826 representaram o desmanche da dominação espanhola não apenas na atual região da Argentina, mas também noutros lugares da América do Sul. O processo iniciou com as invasões inglesas em Buenos Aires, causadas pelas limitações que a guerra na Europa havia trazido à Grã-Bretanha. (2) Embora os portenhos lutassem a favor da Coroa hispânica contra os invasores, já eram visíveis as fissuras na estrutura de dominação ibérica na região. Em seguida, passa-se à Revolução de Maio de 1810 na Argentina, quando – paralelamente à invasão da Espanha pela França – formou-se a primeira junta de governo autônomo em Buenos Aires, e várias problematizações ganharam vozes, a exemplo de indagações sobre o que dava fundamento ao fim do vice-reinado, qual era a amplitude do movimento de emancipação em 1810 ou se isso seria um fenômeno local, nacional ou continental.
O movimento dos criollos platinos ganhou força com as vitórias sobre os seus adversários, tanto na Argentina, quanto no Uruguai ou no Paraguai. No entanto, em 1815, com a derrota de Napoleão e a Restauração na Espanha, o rei Fernando VII quis retomar o controle sobre as colônias e iniciou uma guerra cruenta na América do Sul. Isso levou à Independência formal e à criação das Províncias Unidas do Rio da Prata, um ano depois. O principal objetivo do capítulo é mostrar como, por buscar e garantir a emancipação, apenas um plano de libertação continental, encabeçado a partir da Argentina por José de San Martín, acabou propiciando uma derrota gradual aos espanhóis no Chile e no Peru.
As fortes atuações de San Martín, assim como as de Manuel Belgrano e Mariano Moreno na Argentina, ou as de Simón Bolívar, Bernardo O’Higgins e José Artigas noutros países da América Latina, ainda são demonstradas pela historiografia como decisivas ao êxito da revolução hispano-americana. Um dos mais renomados historiadores argentinos, Tulio Halperín Donghi, afirma com crítica, mas também com reconhecimento, que essa historiografia latino-americana “prefere a tarefa inesgotável de contar a grandeza dos semidivinos heróis fundadores, e nisso não se equivoca inteiramente”, e, ainda, confirma que “a figura dos organizadores da vitória constitui, na realidade, uma das chaves para compreender precisamente essa vitória”. (3) Ou seja, longe de tratar eventos impactantes como fruto do personalismo, a crítica histórica em que se fundamentou este segundo capítulo revela que as ações dos líderes foram influenciadas pela ingerência do povo, ao mesmo tempo que no povo as ações dos líderes repercutiam diversamente, numa espécie de retroalimentação. Fato é que as autoridades políticas e militares mobilizaram homens em torno de uma causa, e isso foi fundamental para lograr emancipações em solo americano. Na sequência, contudo, em que pese o esforço dos próceres e o fato de que em 1826 a América do Sul estivesse praticamente livre dos espanhóis, as rivalidades entre líderes regionais levaram à dissolução da primeira experiência de governo central na Argentina.
É esse o cenário que abre o Capítulo 3 – Entre unitários e federalistas, cuja investigação inicia em 1820, quando o Diretório Supremo das Províncias Unidas é dissolvido. A exposição dos eventos vai até 1835, momento em que desaparece um dos mais proeminentes chefes regionais (caudilhos). Em 1820 foram precisamente os caudilhos de importantes províncias – Entre Ríos e Santa Fe – que lideraram o levante vitorioso sobre Buenos Aires, mostrando o poder do localismo sobre qualquer outra ordem e impondo as suas condições a Buenos Aires. O que se questionou neste terceiro capítulo foi quem eram esses caudilhos; se o caudilhismo fora um fenômeno social e quais as características desse poder. Em 1820, o caos foi mais político que social, porém teve importância para lembrado na história como “anarquia”. Ainda houve mais uma tentativa de organização centralizada por Buenos Aires no período, especificamente quando Bernardino Rivadavia ascendeu ao ministério de sua província e depois à presidência das Províncias Unidas. Em 1827, porém, a experiência acabou sucumbindo mais uma vez diante dos poderes provinciais que encontram uma nova época de plena autonomia. Estava em curso o já citado confronto entre federalistas (que defendiam as autonomias provinciais) e unitários (que visavam a uma nova centralização do poder). Os unitários aglutinavam militares que voltavam da guerra contra o Brasil no Uruguai e estavam insatisfeitos com o resultado desse confronto. Nesse meio, um outro portenho, porém federalista, Juan Manuel de Rosas, ascendeu ao poder diante dos fracassos políticos dos que tentaram estados centralizados, revelando uma base sólida, com sustentação popular, com gauchos (4) e milícias da Campanha, e, por fim, logrando um equilíbrio com as demais províncias por meio do Pacto Federal de 1831. No entanto, os unitários iniciaram uma longa resistência às tendências descentralizadoras, até que um dos instáveis aliados de Rosas, e o único que realmente equilibrava a sua autoridade, Juan Facundo Quiroga, foi assassinado em 1835, deixando o caminho livre para o autoritarismo erigir-se a partir de Buenos Aires.
O protagonista do Capítulo 4 – A Confederação sob o autoritarismo é precisamente Rosas. O seu personalismo no comando de uma estrutura política formal, a Confederação Argentina, estendeu-se até 1852. Os acordos entre Buenos Aires e as demais províncias ganharam contornos de forte intimidação da primeira em relação às segundas, a quem tiveram que confiar as suas relações exteriores. O autoritarismo em Buenos Aires assumiu a natureza de uma ditadura, que não poupou trânsfugas e adversários, qualificados como “selvagens unitários”, a exemplo do que ocorreu com os da Liga Norte e os Livres do Sul, sumariamente reprimidos pelas tropas federalistas e caçados por organizações armadas que tinham devoção ao ditador. O federalismo argentino convertia-se em cor e ideologia. Isso, para muitos, derivou em fanatismo, embora, para outros, por intermédio de Rosas, tenha afirmado a defesa da soberania nacional contra potências europeias que vieram tentar fazer valer direitos de livre-comércio em rios interiores e interferir nos interesses argentinos com blancos aliados no Uruguai. No entanto, neste quarto capítulo também são feitas problematizações, a exemplo da investigação sobre se a natureza do autoritarismo de Rosas era sentida em sua totalidade na Argentina. Por fim, expõe-se aqui como a atuação de Rosas acabou criando motivos para que novos opositores internos, uruguaios (colorados) e o governo Imperial do Brasil realizassem uma ação conjugada e, em 1852, retirassem-no do poder. Este quarto capítulo, vale lembrar, também expõe as condições da economia e da sociedade nas primeiras décadas da independência, além das primeiras manifestações culturais na Argentina, estas simbolizadas pela Geração de 1837, as quais, apesar de profundamente calcadas em modelos culturais europeus, produziram as primeiras abordagens sobre problemas e planos para a nação. Isso não ocorreu, é claro, sem a reprodução das mentalidades de uma elite intelectual de acordo ou em desacordo com a configuração político-social do país. Aí, aliás, encontravam-se ideias de civilização versus barbárie, que se tornariam diretrizes de muitas práticas de governo futuras.
***
Algo que permeia todos os capítulos dos Volumes 1 e 2 desta coleção é a constante referência a aspectos culturais da história da Argentina, não apenas pela importância do repertório intelectual, literário, artístico e folclórico daquele país, mas também por ser esta uma estratégia docente de mais de uma década. Priorizar a cultura nas explicações proporciona factibilidade à compreensão histórica (dívida essa que nós, historiadores, temos com a Escola dos Annales) e torna mais fácil a assimilação do contexto histórico. Trechos de obras filosóficas ou literárias, telas ou registros de produções musicais de época, enfim, tudo o que aparece nestes livros tem relevância na explicação dos perfis sociais, governamentais, econômicos, bélicos etc. Nada mais coerente com o que veio desenhando-se na escrita da história há bom tempo, e que teve sua antecipação na bem conhecida assertiva de Voltaire: ao investigar a história, “eu gostaria de descobrir qual era então a sociedade dos homens, como se vivia no interior das famílias, quais artes eram cultivadas”. (5) Narrativa histórica, ao ser construída, não deve mesmo se limitar apenas ao que consta nos registros escritos oficiais.
Por fim, vale a pena lembrar que desvendar o processo histórico que conecta os argentinos ao seu passado, assim como elementos da política, da econômica e da cultura do país hoje chamado Argentina – o qual, assim como o Brasil, formou-se há relativamente pouco tempo, e cuja consciência de identidade nacional é mais recente ainda –, é uma das grandes recompensas que a leitura deste livro oferece. A outra grande recompensa são as pistas para se compreender o próprio presente, seja na condição de argentino, seja na de brasileiro ou de latino-americano.
Se este livro puder transmitir de forma satisfatória esses conhecimentos, ou mesmo instigar o leitor a perguntar-se não apenas “quem são os argentinos?”, mas também “quem são os brasileiros?”, então esta escrita terá cumprido a sua missão.
(1) BLOCH, Marc. Critique historique et critique du témoignage. In: Annales. Économies, Societés, Civilizations 5e année. Paris, jan.-mar. 1950. n. 1. p. 1-2.
(2) A Grã-Bretanha é a região geográfica que atualmente compreende Inglaterra, Escócia e País de Gales. Na história, a primeira vez em que a denominação apareceu foi em 1707 quando da criação do Reino Unido da Grã-Bretanha, envolvendo as regiões supracitadas. A Irlanda, até 1707, era um Reino à parte, mas com o mesmo soberano britânico. Somente em 1801 foi criado o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, e a sua existência se prolongou até 1922. Com a independência da Irlanda em 1916, apenas a região da Irlanda do Norte permaneceu no Reino Unido. Por conseguinte, o nome oficial do país atualmente é Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
(3) HALPERÍN DONGHI, Tulio. História da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974. p. 65.
(4) “Gaucho”, sem acento, é a versão espanhola da palavra “gaúcho”.
(5) PORSET, Charles. Deux emblèmes du siècle des Lumières. In: LENOIR, Claude-Jean (Org.). La tolérance ou la libertè? Bruxelas: Complexe, 1997. p. 54.
Sumário
NOTA DO AUTOR / 9
CAPÍTULO 1 – RETROSPECTO COLONIAL (1516-1805) / 33
O território indígena / 33
O Prata: a ocupação e os seus limites de desenvolvimento / 58
A sociedade colonial / 76
As reformas bourbônicas e as disputas territoriais / 89
O Vice-reino do Prata / 108
CAPÍTULO 2 – O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA (1806-1826) / 125
O declínio espanhol no Prata / 125
A Revolução de Maio / 142
As Províncias Unidas do Rio da Prata / 163
A revolução no Alto Peru / 188
As intervenções na Banda Oriental / 201
A atuação de San Martín e a luta no Chile / 219
A libertação do Peru / 237
O declínio das Províncias Unidas / 249
CAPÍTULO 3 – ENTRE UNITÁRIOS E FEDERALISTAS (1820-1835) / 263
A anarquia e seus desenlaces / 263
As reformas rivadavianas / 281
A guerra no Uruguai e a sua independência / 298
Os caudilhos e as autonomias provinciais / 312
A ascensão de Rosas / 334
CAPÍTULO 4 – A CONFEDERAÇÃO SOB O AUTORITARISMO (1835-1852) / 379
A ditadura / 379
Tempo de guerra / 397
O fim do rosismo / 423
Aspectos econômicos / 438
A sociedade / 459
Aspectos culturais / 517
CRONOLOGIA / 555
REFERÊNCIAS / 571
Fontes primárias / 571
Fontes secundárias / 573
Mídias / 578
Web / 578
CADERNO DE COR / 583 |
|