Texto de contracapa
Ser humano é ser gregário. É fazer parte de um time, de uma tribo, de um partido. Ser cidade é ser espaço para tudo isso. Os conjuntos de prédios, casas, estátuas, lugares, utensílios e também de costumes (hábitos, religiosidades, experiências) típicos de uma comunidade são a transcendência dos grupos sobre as cidades e suas culturas no tempo, não necessariamente aquiescentes à continuidade sócio-histórica. Isso porque muitas cidades têm tido suas identidades gradualmente untadas à milanesa fast-contemporânea.
Como selecionar o que deve ser preservado? Quem faz isso? O município de Passo Fundo, por exemplo, sofreu cíclicas transformações materiais e imateriais, sobretudo nas últimas décadas, pelas fermentações da urbe e da psique do instante social, que acabaram tragando muito do que poderia ser representativo para o município.
Qualquer semelhança regional não é mera coincidência com o nacional. Daí vem a importância deste primeiro volume, onde doze autores atuantes das ciências humanas e da arquitetura conformam este rico temário, debatendo o patrimônio histórico-cultural em nosso país e, especialmente, em Passo Fundo. São os seguintes assuntos: transformações sociais, patrimônio industrial (a Viação Férrea), educação patrimonial e políticas de preservação, memórias em disputa, monumentos, hegemonia gauchesca, romarias de São Miguel e de Nossa Senhora Aparecida, Igreja Catedral, patrimônio no âmbito escolar e possibilidades futuras de estudo neste campo.
Não é possível que o moderno seja implodir memórias para otimizar preços; erguer estéreis blocos de concreto para ganhar espaço; emaranhar cabos e fios em quantos postes forem possíveis para se ter televisão, câmeras, telefones, internet; limitar espaços públicos, não se importar com ruídos, buracos, falta de lixeiras, banheiros, postos de saúde, segurança. Tudo isso também está em jogo quando se discute o patrimônio histórico-cultural, porque, ao perder identidade, civilidade e cidadania, a cidade também se traveste de significados que não a pertencem, muros cada vez mais altos são erguidos, tornando-a mais individual e desumana, enfim.
Esta obra é direcionada a qualquer pessoa que queira aumentar sua cultura geral, entender um pouco mais da formação de sua gente, da situação social em que vive, de como se antecipar aos eventos futuros. Sim, para isso também serve uma leitura interdisciplinar como esta.
Charles Pimentel da Silva,
editor de livros
Apresentação
Geralmente, o termo patrimônio é associado a uma propriedade, um bem mercadológico ou uma herança de família. Em suma, patrimônio é algo que pertence a alguém ou a uma coletividade. Por sua vez, a noção de patrimônio histórico remete-nos à Europa dos séculos XVIII e, sobretudo, do XIX, noção essa atrelada ao surgimento e consolidação dos Estados nacionais e na preocupação de resgatar e preservar – e até mesmo inventar – elementos identitários comuns, além do próprio passado nacional.
No entanto, quando falamos em patrimônio histórico, não estamos nos referindo apenas ao "patrimônio edificado" ou ao arquitetônico – a chamada dimensão "pedra e cal" –, representado por edifícios e monumentos, mas também ao patrimônio documental e arquivístico, bibliográfico, hemerográfico, iconográfico, museológico, arqueológico... Enfim, todo o conjunto de bens que atestam a história de uma determinada sociedade.
Ademais, o conceito de patrimônio histórico está intimamente ligado ao de patrimônio cultural, que é constituído pelos chamados "bens culturais", que pode ser definido como "toda produção humana – de ordem emocional, intelectual e material – independente de sua origem ou época".
Nesse sentido, o patrimônio cultural pode ser classificado em:
a) Patrimônio material: maneiras de vestir, hábitos alimentares, instrumentos musicais, obras de arte, técnicas construtivas, monumentos, máquinas e equipamentos, móveis, moedas etc.;
b) Patrimônio imaterial: canções, celebrações, ritos, crenças, lendas, saberes que passam de uma geração para outra, manifestações cênicas, lúdicas e plásticas, lugares e espaços de convívio, dialetos etc.
Portanto, o patrimônio histórico e cultural de determinada sociedade é fundamental, sobretudo, para a própria identidade dessa sociedade. No entanto, o que devemos preservar como sendo nosso patrimônio histórico e cultural? Quem define o que deve ou não ser preservado? Como e por quem é feita essa seleção? Como está atualmente sendo tratada, pelos órgãos governamentais, a questão da preservação do patrimônio histórico e cultural? Como podemos conscientizar a população acerca da importância desse patrimônio?
Essas, dentre outras, são algumas questões que pretendemos debater ao longo desta obra. Neste primeiro volume, aglutinamos doze artigos em que os autores procuram tecer algumas reflexões acerca da atual situação do patrimônio histórico-cultural em nosso país e, especialmente, na cidade de Passo Fundo.
Ademais, também há nessa obra artigos que versam especificamente sobre as possibilidades da educação patrimonial, que, sem dúvida, constitui uma importante maneira de conscientizar os cidadãos a respeito da importância de preservarmos o patrimônio histórico-cultural. Afinal, como salientou Françoise Choay, "a preservação do patrimônio histórico-cultural é, antes de tudo, uma questão de mentalidade".
Alessandro Batistella
Passo Fundo, primavera de 2011
Sumário
Apresentação / 7
I. Patrimônio histórico e transformações sociais
em Passo Fundo
Eduardo Roberto Jordão Knack / 13
O valor histórico e as transformações sociais / 17
Considerações finais / 33
Referências / 36
II. Patrimônio ferroviário em Passo Fundo:
do apogeu ao abandono
Ana Paula Wickert / 39
O fenômeno da ferrovia: modernidade / 40
Implantação da Ferrovia no Rio Grande do Sul / 44
Linha Tronco Norte: Santa Maria a Marcelino / 49
O espaço ferroviário e a Estação ou “Gare” / 55
O patrimônio ferroviário em Passo Fundo: marcas de uma história / 61
Patrimônio industrial: uma questão a ser discutida / 64
Referências / 71
Documentos primários / 72
Cartografia e projetos arquitetônicos / 74
III. O desenvolvimento da educação patrimonial e
das políticas de preservação do patrimônio cultural
em Passo Fundo
Marcos Antonio Leite Frandoloso / 75
A cultura da preservação em Passo Fundo / 78
Metodologia de inventário / 81
Análises do patrimônio edificado / 85
Análise geral / 85
Eixos de preservação / 88
O inventário como ferramenta de educação patrimonial / 90
Documentação e educação para preservação / 90
Inventário e educação patrimonial em Passo Fundo / 93
As políticas públicas e a iniciativa privada na proteção
patrimonial / 94
Recomendações e considerações finais / 96
Referências / 99
IV. Memória política e política da memória:
os poderes da lembrança
João Carlos Tedesco / 101
Tempos que vão e tempos que voltam... / 103
Produzir vestígios / 109
Memória em batalhas / 112
Enfim... / / 121
Referências / 124
V. Patrimônio e representações: uma análise dos
monumentos em Passo Fundo / 127
Alessandro Batistella / 127
Patrimônio e representações / 128
Os monumentos como representações simbólicas / 137
Os monumentos em Passo Fundo / 139
Considerações finais / 152
Referências / 152
VI. Hegemonia gauchesca
Tau Golin / 155
O Manifesto / 157
A repercussão / 158
Passando a tarca / 160
Realidades / 162
Hegemonismo / 164
Argumentos / 166
Pioneiros e massificadores / 168
Presilha ditatorial / 170
Tempos de história e cultura / 175
Courama / 177
A façanha / 179
Assassinato... / 180
Ave pampa! / 181
Tradicionalizando / 182
Na guaiaca pública / 183
Regional-universal / 186
VII. Plasticidade ritual: um estudo de caso das romarias
de Passo Fundo
Camila Guidolin, Murillo Dias Winter, Gizele Zanotto / 189
A devoção a São Miguel Arcanjo / 193
Venerando Nossa Senhora Aparecida / 199
Referências / 208
VIII. A Igreja Catedral de Passo Fundo:
de semióforo a patrimônio
Gizele Zanotto / 211
“A construção da Igreja Catedral como obra comunitária...” / 211
“A Igreja Catedral como semióforo...” / 220
“A Igreja Catedral como patrimônio!” / 223
Referências / 229
Fontes em periódicos / 232
IX. Patrimônio: história, cultura e educação
Ironita P. Machado / 233
Referências / 247
X. Discursos e práticas patrimoniais no contexto escolar
Maria Beatriz Pinheiro Machado / 249
Patrimônio cultural e educação / 251
Trilhas, caminhos e outras rotas a desbravar / 254
A educação do olhar: aprender a ver a arquitetura / 257
Para finalizar / 263
Referências / 264
XI. Educação patrimonial
Maria de Lourdes P. Horta / 265
Referências / 288
XII. Educação patrimonial: pensando sobre Passo Fundo
Eduardo Roberto Jordão Knack / 289
Pensando sobre a realidade de Passo Fundo – possibilidades
de estudo / 294
Considerações finais / 311
Referências / 312
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