Voltar ao início do site !Enviar um e-mail !Chamar por telefone !
Acessar o FaceBook da Méritos !

Filosofia e homoafetividade

Organizadores: Cínthia Roso Oliveira, Nadir Antonio Pichler, Ronaldo Canabarro
Autores: Nadir Antônio Pichler, Lutecildo Fanticelli, Edimarcio Testa, Édison Martinho da Silva Difante, Francielle Moreira Cassol, Frederico Santos dos Santos, Francisco Fianco, Marcelo José Doro, Ediovani Antônio Gaboardi, Cínthia Roso Oliveira, Icaro Bonamigo Gaspodini, Adriel Scolari, Willian Guimarães, Ronaldo Canabarro, Hugo Arend
Pág.: 232
Edição: 1ª
Formato: 14x21cm
Idioma: Português
Lançamento: 2012
ISBN: 9788582000113

r$ 41,90

 

 

Texto de contracapa

Depois do apogeu multissecular da complexa sociedade grega, a cosmovisão cristã (um dos berços do expoente máximo da homofobia a partir do século IV) levou à fogueira incontável número de gays e lésbicas, pelo simples ''pecado'' de existirem de forma ''imunda'' e ''bestial'' (Tomás de Aquino), ''difamando e caluniando a Deus'' (Epístola de São Paulo aos Romanos).

Este livro permite entender como esses princípios grassaram nos âmbitos da lei, da prática médica e da consciência social e como a questão do sexo passou da proibição à normativização política, econômica e técnica (século XVII), alimentando invariavelmente máquinas de biopoder, onde um grupo controla outro desde normas sexistas, processo bem elucidado por Francisco Fianco, com base em Foucault, no Capítulo V.

E também mostra a história do movimento LGBT, do feminismo nas relações internacionais e os avanços e retrocessos pontualmente condicionados, mas, sobretudo, significativos para entender a reafirmação da homoafetividade como condição natural, normal e amoral, porém ainda carente de proteção jurídica, rituais de transição e respeito, sendo, inclusive, suscetível a problemas normais que qualquer casal tem, no amor, na família e na sociedade.

A base da ressignificação pretendida para a homoafetividade reside nos novos conceitos de sexo, identidade de gênero, orientação e prática sexual, os quais, enquanto entendidos como determinantes um do outro, sempre suscitarão o espezinhamento da espécie humana em algum aspecto. Ora, pois, em pleno século XXI, ainda há países que consideram a homoafetividade crime, sendo, em alguns, passível de pena de morte. Isso são brasas de outros tempos ardendo hoje em forma de preconceitos.

Logo, se a escola, como sugere Adriel Scolari, no Capítulo IX, assumir seu papel de agente de mudanças e construtora de novos padrões de aprendizagem condizentes com sua época, será possível desestabilizar crenças racistas, sexistas, misóginas, homofóbicas e outras igualmente excludentes. E, somanando a isso os profundos e sutis entrelaçamentos dos âmbitos filosóficos, antropológicos, sociológicos, médicos e evolucionistas possíveis neste livro, chega-se a um horizonte que permite ver esses fenômenos como os últimos estertores de uma sociedade heteronormativizada aplacada frente à liberdade e sensatez de raciocínio, na exata proporção em que a brasa um dia vira borralho.

Charles Pimentel,
editor

Texto de orelha

Pederastia é pedofilia? Definitivamente não. Apesar da vasta derivação da primeira palavra, significava um projeto educacional onde apenas os educadores por vocação ensinavam garotos (muito provavelmente de famílias abastadas) a serem cidadãos virtuosos. (Cap. I)

Amor homossexual? Por mais que visto como desejo mundano, é algo natural, e é puro, desde que com virtude. (Cap. II)

Sexo é pecado? Depende mais do contexto histórico e cultural do que da biologia ou da identidade de gênero dos envolvidos. Este desqualificativo é parte do modelo pa-triarcal heterossexista da tradição judaico-cristã para fazer valer, através da igreja católica e seus santos, a dominação sobre outros grupos de pessoas. (Cap. III)

A umbanda é igual ao catolicismo? A umbanda é feita para os grupos marginalizados que têm como arquétipos o exu e a pomba-gira que visam a desfazer a hierarquia social e, através do prazer, possibilitar a felicidade "neste mundo", ao contrário da proposta católica. (Cap. IV)

Sexualidade como controle? Os discursos que a envolvem são de controle sim, pois o sexo, como subjetividade humana carregada de preconceitos e moralismos, é campo de intolerâncias e violências diversas à existência humana. (Cap. V)

Homossexualidade é natural? É natural, normal e amoral (involuntária), na justa medida em que é fruto da evolução, pois tem ocorrido com constância não predominante. (Cap. VI)

A prática sexual imoral? Apenas quando homo ou heteroafetivos desconsideram os interesses do outro envolvido na ação. (Cap. VII)

Homossexualidade é doença? Longe de ser um "transtorno mental", como se afirmava, é algo natural, tendo sido a França o primeiro país a retificar a condição. (Cap. VIII)

Escola e homoafetividade? Sim, a escola deve estar pronta para acolher mais esta diversidade, para que evite a invisibilidade ou a ''evasão'' de homoafetivos, e novas subcondições humanas por conta da fragilização do convívio democrático. (Cap. IX)

Casais homoafetivos têm problemas? Muitos, assim como quaisquer outros casais heteroafetivos. Ademais, pesa sobre esse tipo de relação a falta de ritos jurídicos, apoio familiar e modelos posi-tivos de casais homoafetivos para se espelhar. (Cap. X)

Vamos lutar pelo quê então? Pelo direito de cada pessoa poder expressar seu modo de ser e gozar os mesmos direitos de qualquer cidadão, sem necessariamente ter uma identidade fixa.(Cap. XI)

Feminismo nas relações internacionais? A presença feminina acontece, porém ainda com características muito masculinizadas, já que a postura predominante esperada é a que se enquadra em cenários de guerra. (Cap. XII)

Apresentação: Filosofia prática, autonomia e diversidade homoafetiva

Vivemos em um mundo globalizado, cheio de diversidades, onde pessoas de culturas, etnias, orientações sexuais, valores etc. diferentes convivem em um mesmo espaço, mas para que essa convivência seja harmônica, é preciso que haja reflexão sobre o que nos faz diferentes e o que nos torna semelhantes. Certamente, as relações sociais devem ser pautadas pelo respeito ao outro, porém, sem que isso obrigue as pessoas a pensar e agir de forma semelhante em tudo. É por isso que o diálogo e a reflexão estão na base de uma convivência pacífica, uma vez que permitem a abertura ao outro.

Uma das questões vivenciadas atualmente e ainda pouco discutida é a diversidade de gênero e de orientação sexual. Existem muitos preconceitos, muitas opiniões a esse respeito. E, enquanto não houver uma reflexão profunda no que diz respeito a essas questões, a sociedade vai continuar ignorando as injustiças e as afrontas aos direitos humanos.

Este livro é o resultado de estudos e discussões do Grupo de Pesquisa sobre Homoafetividade, constituídos por professores e alunos do curso de Filosofia, de Psicologia, das áreas de ética e conhecimento da Universidade de Passo Fundo (UPF), membros do Grupo Plural-Coletivo LGBT e alunos e professores de outras universidades. E tem como objetivo descrever e analisar algumas noções históricas, filosóficas e atuais acerca de como as relações homoafetivas foram construídas, desconstruídas e como a temática da orientação sexual e da identidade de gênero podem ser interpretadas e asseguradas na perspectiva contemporânea da autonomia do sujeito e de grupos sociais. A ação humana, enquanto ação de um indivíduo ou de um grupo social, é algo que pressupõe a capacidade de fazer escolhas e de deliberar de forma consciente e livre, no que concerne ao mundo contingente dos valores. Isso permite que as pessoas estejam constantemente repensando suas ações, crenças, valores e, portanto, a própria cultura.

Assim, defenderemos a tese de que a filosofia das coisas humanas, ou seja, o agir humano enquanto indivíduo e grupo social capaz de fazer escolhas e deliberar de forma consciente e livre, no que concerne ao mundo contingente dos valores, é uma produção histórica, contextual, mutável e prescritiva. Ainda, em outras palavras, o comportamento moral do homem é social e culturalmente construído e reconstruído em sociedade.

Por isso, Aristóteles insistia na tese de que a função da filosofia prática era a de infundir um certo caráter aos homens para torná-los bons e melhores e que os cidadãos fossem educados para desenvolverem aptidões administrativas, judiciárias e celebrativas (sacerdotais) para atuarem na pólis, na comunidade política. Praticando estes e outros atos, sempre guiados pela escolha e deliberação, cria-se um hábito (hexis), ou seja, habilidades e competências necessárias para a vida em sociedade. Essa forma de agir para constituir a subjetividade do indivíduo, seu caráter, leva muito tempo e requer educação e experiência.

A partir disso, é possível denotar, que a constituição do gênero de uma pessoa, seja qual for sua orientação sexual, é socialmente engendrada pela educação moral formal ou informal, pelo éthos local (família, amigos, trabalho) e cívico.

Assim, a estrutura subjetiva de uma pessoa não é algo dado, fixo, determinado pela natureza da condição humana. A pessoa não é totalmente determinada pelo biológico nem pela cultura, ou seja, pela condição biocultural. Há um espaço para a construção do mundo emocional, dos desejos e dos valores, porque a subjetividade humana não é dada, mas construída e reconstruída pelas pessoas e grupos sociais.

Dessa forma, a moralidade sexual também é passível de ser repensada e construída nas relações entre pessoas do mesmo gênero, como justas, idôneas e éticas. Nesse ponto, Maria Berenice Dias, em sua obra Direito homoafetivo (2011), cunha o termo homoafetividade, como forma de nomear e atribuir outro significado às relações entre pessoas do mesmo gênero. Mais do que uma atração sexual, essas relações se pautam também pelo afeto. Portanto, nesse horizonte hermenêutico de compreensão e interpretação do sentido dos valores éticos e morais sexuais, se as pessoas do mesmo gênero possuem afinidades afetivas, sexuais, sociais e profissionais, é uma questão de justiça e de democracia reconhecê-las e aceitá-las na sua condição existencial humana.

Afinal, na epocalidade histórica plural atual que estamos vivenciando, é possível superar o paradigma patriarcal de que o normal e o natural são as relações heteroafetivas e sexuais. Essa tese foi e é ainda legitimada por algumas teorias e pelo senso comum, sobretudo por morais religiosas tradicionais e fundamentalistas, que pautam suas escolhas morais fundamentadas no dogmatismo moral.

Historicamente, o sexo foi atrelado ao gênero e toda pessoa do sexo masculino foi identificada como homem e, de acordo com o paradigma patriarcal, seria sexual atraído por mulheres, cujo sexo e gênero seriam o mesmo, e também seriam sexual-afetivamente atraídas por homens. Porém, Judith Butler, filósofa que contribuiu para as discussões sobre o feminismo, Teoria Queer (como veremos adiante), filosofia política e ética, no livro Problemas de gênero (2003), faz uma distinção entre quatro aspectos relacionados à sexualidade-afetividade: sexo (aspecto biológico feminino ou masculino), identidade de gênero (papel socialmente construído pelo sujeito que se identifica como homem ou mulher), orientação sexual (desejo sexual que o sujeito possui e que é direcionado à pessoa do mesmo gênero ou do gênero oposto) e a prática sexual (ato sexual efetivo do sujeito).

De acordo com tal distinção, uma pessoa do sexo feminino pode ter identidade de gênero masculina, ter orientação sexual homoafetiva e uma prática heterossexual. Muitas vezes, a prática sexual não está em harmonia com a orientação sexual devido às normas impostas pela sociedade ao sujeito. Além disso, a performance masculina ou feminina exercida pelo sujeito socialmente pode estar em desacordo com o papel no qual se sente mais à vontade em desempenhar, de ser homem ou mulher, de acordo com seu gênero.

Outra questão muito debatida atualmente, e também proposta por Judith Butler, é a Teoria Queer, que propõe uma crítica aos rótulos impostos pela sociedade às pessoas com relação ao gênero e a orientação sexual. Segundo ela, uma pessoa poderia estar (e não ser) homoafetiva e em outro momento mudar, isto é, estar heteroafetiva, ou ainda, biafetiva. Desde que aceitemos que não há uma essência pré-definida da natureza humana, mas que o sujeito se constitui por suas interrelações no mundo, uma pessoa pode variar ao longo de sua vida com relação ao papel feminino ou masculino e também quanto a sua orientação sexual, e estes podem estar em constante transformação.

Todas essas são questões a serem refletidas e debatidas pela sociedade democrática que pretende viver harmonicamente com a diversidade. O movimento LGBTTTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros e interssexuais), conhecido apenas por LGBT, impulsiona este debate em muitos lugares do mundo, inclusive no Brasil, porque a busca pelos direitos humanos é pertinente a todo ser humano que pretenda conviver harmonicamente num mundo civilizado.

Enfim, a Carta da Transdisciplinaridade, oriunda do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado em 1994, em Portugal, redigida por Edgar Morin e Basarab Nicolescu, defensores do diálogo ético transdisciplinar, da abertura, da tolerância, da integração dos diferentes saberes, no seu Art. 13, afirma o seguinte: "A ética transdisciplinar recusa toda e qualquer atitude que rejeite o diálogo e a discussão, qualquer que seja a sua origem – de ordem ideológica, científica, religiosa, econômica, política, filosófica. O saber compartilhado deve levar a uma compreensão compartilhada, fundamentada no respeito absoluto às alteridades unidas pela vida comum numa só e mesma Terra".

Para dar conta desse propósito, utilizaremos alguns argumentos históricos, filosóficos e, sobretudo, éticos, além de antropológicos, psicológicos, pedagógicos e algumas contribuições da filosofia da mente, tal como suscitam os capítulos desta obra:

O Capítulo I - Pederastia na Grécia Antiga, de Nadir Antônio Pichler, Lutecildo Fanticelli e Edimarcio Testa, vem diferenciar pedofilia de pederastia, esta uma prática educacional institucionalizada, de caráter moral, intelectual e afetivo entre um homem maduro e um menino. Havia uma função pedagógica portanto. A tradição grega supunha o exercício do corpo (em palestras) e da mente (nas escolas), todavia, para ser cidadão (virtude máxima), era necessário ir além do ensino dado pelo Estado. E, como pais e mães ocupavam-se com suas respectivas tarefas de trabalhar fora e cuidar da casa, cabia ao erastês (adulto) a nobre tarefa de formar o erómenos (jovem) num cidadão consciente de suas funções admistrativas. A bem da verdade, os gregos cultuavam um rigor de comportamento extremamente masculino frente à sociedade e um projeto educacional (paidea) tão amplo que nem se compara aos projetos educacionais contemporâneos. Saiba mais sobre as rígidas regras da pederastia e a transformação imposta a alguns valores da consciência humana lendo este capítulo.

O Capítulo II - O discurso da homossexualidade no Banquete, de Platão, de Lutecildo Fanticelli, Nadir Antonio Pichler e Edimarcio Testa, traz um diálogo de diálogos que aconteceu na casa de Agatão, onde estiveram Sócrates, Aristófanes, Fedro, Pausânias, Erixímaco e Alcebíades. O amor (sentimento) foi o tema do diálogo, estando a filosofia presente como razão pura, daí advindo as fantasias do discurso, que contêm a homossexualidade, todavia também a heterossexualidade, de forma que é possível fundamentar ideologias diversas neste mesmo texto. Pausânias aborda a divindade citando Afrodite como duas deusas: Pandêmia (dos que amam apenas o corpo, os heterossexuais) e Urânia (que impele ao amor homossexual, condicionado pela adoração da inteligência superior masculina). Aristófanes cita que num passado distante haviam três gêneros, nossos antepassados: a fêmea (com vagina), o macho (com falo) e o andrógino (com ambos). Esses eram seres muito fortes e impiedosos, diferentes dos humanos atualmente. Eles foram castigados pelos deuses, que os dividiram ao meio, assim parece que os heterossexuais descendem dos seres que eram andróginos, e os homossexuais, dos seres machos e fêmeas. Dessa forma, homens sentem-se atraídos por mulheres e vice-versa porque buscam sua outra parte do ser andrógino original, ao passo que gays e lésbicas atraem-se por suas partes correspondentes (homens ou mulheres). Logo, a homossexualidade não seria uma escolha, mas algo natural. Leia mais sobre os outros interlocutores deste diálogo que faz entender, sobretudo, que a sexualidade pode ser tão pura quanto qualquer outra coisa, desde que com virtude.

No Capítulo III - Homofobia: uma leitura crítica, de Édison Martinho da Silva Difante, Francielle Moreira Cassol e Nadir Antonio Pichler, o modelo cultural atual é apresentado como excludente (por etnia, classe social, crença, gênero e sexualidade), resultante de um modelo sexual patriarcal construído na religião desde a Antiguidade, em oposição ao sistema greco-romano, que permitia o amor masculino e onde a sexualidade era, de certa forma, permitida, entendida e pontualmente punida (caso atrapalhasse as obrigações dos amantes na sociedade). Os papéis sociais da tradição judaico-cristã supunham atitudes ativas aos homens e passivas às mulheres, relacionando isso ao ato sexual, pois quem cedia o corpo também poderia ceder os interesses da cidade. Daí vem também o porquê de as mulheres terem sido proibidas de exercer cargos públicos. Com o heterossexismo dominante, os homossexuais passivos foram condenados à fogueira, pois, segundo a Epístola de São Paulo aos Romanos, eram "inimigos", "difamadores" e "caluniadores de Deus", sendo Santo Agostinho e Tomás de Aquino os maiores ideólogos homofóbicos por atribuírem ao ato sexual adjetivos como "imundícia" e "bestialidade" (entre outros) e por estabelecerem aí um pecado gravíssimo. Saiba mais sobre o que os autores chamam de "atrocidades" da igreja católica lendo o capítulo adiante.

O Capítulo IV - Religião e sexualidade: por uma perspectiva de análise a partir da cosmologia da umbanda mostra a incursão do etnógrafo Frederico Santos dos Santos nessa religião. A pesquisa realizou-se numa vila de Porto Alegre, a partir de um ritual religioso que reuniu entidades garbosas e sensuais dançando ao som de batuques, deleitando-se em muito prazer. Os aportes à narrativa com extratos de reprimendas de amigos, associando claramente práticas malígnas ao ritual umbadístico, conectam as práticas preconceituosas aos resquícios da tradição católico-cristã. Fato é que isso dá luz ao entendimento da própria umbanda, que é genuinamente brasileira, construída sob matrizes africanas do batuque e do candomblé (via necessidade de gozar a vida), ameríndias, espíritas (crença na reencarnação) e católica (crença no amor ao próximo), tendo como personagens do seu panteão exus e pombas-giras em contraponto aos grandes vultos históricos cultuados pelas classes dominantes. A cosmovisão de mundo onde brancos, letrados e heterossexuais renunciam aos prazeres não existe na umbanda, que é um ritual festivo de grupos marginalizados.

Neste Capítulo V - Sexualidade e tolerância: uma reconstrução dos argumentos principais da "História da sexualidade", de Michel Foucault, emerge, como pano de fundo da análise do processo de transformação da ética clássica, a sexualidade como articulação dos mecanismos de controle social, uma vez que o sexo é um dos principais aspectos da subjetividade humana, abnegado à cultura, recebedor de censuras e carregado de artifícios de linguagem (termos jocosos, jargões técnicos, eufemismos etc.). O sexo, porém, não é proibido, mas regrado diferentemente pelas culturas em voga. Logo, tem sido constrangedor falar sobre isso desde a infância até a velhice. Nos últimos dois séculos ocorreu uma série de classificações em forma de condenação de homossexuais que aparecem como personagens menosprezados por esse saber sobre o sexo, que se converte em poder, definindo o aceito e o não aceito. O autor deste capítulo, Francisco Fianco, entra, a partir de Foucault, nas origens do entendimento de sexo e sexualidade, onde médicos, psicanalistas e instituições transitam com autoridade a eles conferida pelo biopoder para exercer controle sobre a vida social. O texto denso envereda, ainda, na segunda obra de Foucault (sobre prazeres na moralidade clássica) e na terceira também (das práticas de si...), tendo fôlego para explicar suficientemente a biogovernabilidade que se opera na sociedade, o que muito ajuda a entender a homofobia e outros preconceitos em suas manifestações mais violentas.

No Capítulo VI - Sobre a naturalidade da coisa, para explicar o que o título suscita, Marcelo José Doro e Ediovani Antônio Gaboardi refutam, logo de começo, a inaturalidade da homossexualidade, uma vez que tudo que existe é natural e, nesse sentido, até mesmo a cultura ou o que mais for derivado da engenhosidade do ser humano. Porém, vão além para esclarecer que a homossexualidade não é exclusividade do animal homem e que ela é fruto da evolução, tão bem elucidada por Charles Darwin, na justa medida da descendência com modificação, o que não ocorre na reprodução assexuada (por clones). O trunfo da evolução foi a diversidade (em que nenhum descendente é igual a qualquer outro ou a seus genitores, possibilitando assim a adaptação aos diferentes ambientes do planeta). Tomada em sua naturalidade, a homossexualidade também mostra-se como normal. A normalidade tem a ver com constância e a evolução revela que, embora não-predominante, a homossexualidade tem se mantido ao longo dos tempos. E sendo assim, tampouco a imoralidade se aplica à homossexualidade, pois seu caráter involuntário (predisposição do desejo) a isenta de julgamentos. Neste capítulo, é possível saber um pouco mais sobre a recombinação gênica e a alteração do material genético (onde se dá de fato a diversidade) e sobre os gargalos que a própria cultura cria contra si.

Este Capítulo VII - Subjetividade e amoralidade do desejo, de Cínthia Roso Oliveira, inicia com uma suposta situação de um aluno que beija outro na escola e os professores tecem comentários sobre eles. Estes não sabem o que sentem? São doentes? São imorais, depravados? Onde está o erro? Na legitimação acrítica da heteronormatividade justamente num ambiente onde se deveria primar pela reflexão. Isso ocorre porque a homoafetividade ainda é vista como doença, desvio, confusão, engano etc. Quando são levados em conta os pensamentos e as subjetividades experienciadas do outro (os qualia, na filosofia da mente), é possível apenas uma aproximação do outro. Porém, adverte a autora, seria arbitrária qualquer tentativa de mensurar com exatidão as sensações de cada um. Não há como dizer que alguém se engana em relação a seus desejos e sentimentos, da mesma forma que não há como saber se pessoas semelhantes têm sensações iguais etc. Desejos menos comuns também não podem ser tratados como doença, senão diríamos enfermos aos superdotados. Tampouco é imoral o desejo de alguém, pois a moralidade pressupõe ação voluntária. Portanto ninguém pode ser considerado imoral por sua orientação sexual, apenas a sua prática sexual poderia. Descubra em que sentido, lendo este capítulo na íntegra.

O Capítulo VIII - Heteronormatividade e binarismo de gênero na subjetividade da transcriança: sofrimento dispensável procura explicar-se a partir do entendimento do desenvolvimento psíquico livre e salutar de crianças, que, invariavelmente, criam subjetividades durante o período em que dependem do adulto, não poucas vezes gerando desejos reprimidos motivados por valores morais e preconceitos de seus responsáveis. As normatizações culturais tendenciosas à exclusão de identidades minoritárias seriam, então, geradoras de sofrimento dispensável. Experiências de João W. Nery (ativista pelo movimento dos transhomens brasileiros) ilustram a negação da transcriança, quando, por exemplo, na infância, este escritor carioca manifestou ao seu pai o desejo de ser piloto de avião e obteve como resposta que "aeromoça é péssima profissão", levando-o a consertar mentalmente sua condição. O autor deste capítulo, Icaro Bonamigo Gaspodini, explica isso como resultado da heteronormatividade presente na psique humana e geradora desse tipo de preconceito (a simplificação da complexidade do outro) e também da lógica do binarismo de gênero (reles associação do sexo/corpo ao gênero/mente, criando corpos-sexo antes mesmo do nascimento, alimentando o maquinismo do biopoder). Saiba também sobre a despatologização das identidades de gênero ainda neste texto.

Este Capítulo IX - Homoafetividade x escola e sociedade: o despreparo frente às diversidades sexuais mostra um anseio por uma democracia que se enquadre aos tempos da informação, modernidade e complexidade, em detrimento da violência às pessoas de cor, sexo, nacionalidade, religião e de tantas outras formas de preconceito e discriminação. Menos prioridade ao econômico e mais ao humano, raciocina o autor Adriel Scolari, invocando, pela Declaração dos Direitos Humanos, um "agir com espírito de fraternidade" com as outras pessoas. Todavia, à homossexualidade recaíram paradigmas e tabus de épocas específicas, apenas removíveis por instituições como as escolas, por seu papel fundamental na construção de uma sociedade justa e democrática. Estando o Brasil em segundo lugar em quantidade de crimes homofóbicos no mundo, e tendo 27% de estudantes de 14 de suas capitais afirmando não quererem ter um colega homossexual, essa missão escolar se justifica ainda mais. Busque adiante mais informações sobre a questão da homoparentalidade e as atitudes de invisibilidade que acontecem nas escolas e nas famílias.

No Capítulo X - Uniões homoafetivas: desafios na construção do vínculo conjugal, o autor Willian Guimarães fala do amor (tema recorrente na história do homem), mas em formas diferentes daquela sacralizada pela igreja (exclusivamente de um homem para uma mulher ou vice-versa). A relação homoafetiva vai além do erotismo e do sexo: possui propriedades e dinâmicas semelhantes às de qualquer outro casal. Contudo, precisa vencer desafios sociais e familiares específicos. Um casal homoafetivo precisará enfrentar questões de homofobia na sociedade em geral, o impacto das questões de gênero no relacionamento, ambiguidades no vínculo, dificuldades com a família de origem e necessecidade de desenvolver uma rede social de apoio. Para se compreender adequadamente essa dinâmica, é necessário observar o sujeito psíquico como alguém em construção a partir da sociedade que o rodeia. Uma sociedade heteronormativa, que coloca o casal heterossexual como padrão de normalidade, tem dificuldade de aceitar casais do mesmo gênero. Aí reside uma negação social ao amor de casal homoafetivo. Não bastasse isso, questões de complementaridade de ações típicas dos papéis sociais heterocêntricos vão agravar ainda mais esse relacionamento. Ainda neste capítulo é possível saber mais sobre os rituais jurídicos que influenciam o ciclo desenvolvimental.

O Capítulo XI - Breve história do movimento LGBT, de Ronaldo Canabarro, arremata o período histórico desde as primeiras manifestações vultosas de lutas por direitos de igualdade, como a ocorrida no bar novaiorquino StoneWall, em 1969, evento-embrião das paradas gay mundo afora. O fato de haver em 2012 ainda 90 países que consideram a homossexualidade ilegal (com pena de morte em cinco deles) suscita a laboriosa análise deste texto, que, a partir de Foucault, revela as identidades humanas como sexualizadas, tendo os homoafetivos sido reincidentemente tachados de "doentes mentais" pela medicina de várias épocas. Os primeiros avanços surgiram na Alemanha, com o médico Magnus Hirschfeld, reivindicando a despatologização da condição. Porém o retrocesso veio pelo mesmo país, quando o nazismo queimou o Instituto para o Estudo da Sexualidade (criado pelo mesmo médico), assim como milhares de gays e lésbicas, tendo os comunistas e os fascistas dado continuidade à devassa noutros tempos. Assim, entre avanços e retrocessos, a liberdade homoafetiva sofreu um último grande golpe quando da epidemia de AIDS, estigmatizada como a peste gay. A interação dos movimentos sociais a partir da Teoria Queer vem a ser o ápice filosófico e antropológico da questão, uma vez que esta divide atualmente integrantes do movimento LGBT. Saiba como esta discussão vem sendo debatida, lendo-a à frente.

O Capítulo XII – Perspectivas de gênero nas Relações Internacionais vem demonstrar os desdobramentos dessa disciplina, em sintonia com os acontecimentos da década de 1980, que culminaram no final da Guerra Fria e na desestabilização de metanarrativas totalizantes. Nesse contexto, o autor Hugo Arend, mostra que a disciplina de RI tomou dois caminhos importantes: o construtivista e o pós-estruturalista. O mundo, dentro da lógica dessa disciplina era apresentado, invariavelmente, como um lugar anárquico e perigoso, no qual apenas a força e o poder eram valorizados. Tratava-se de um mundo masculino, enfim, onde os heróis da nação e do mundo internacional se projetavam reificando condutas agressivas e militarizadas, ignorando os dramas reais de mulheres, crianças, homossexuais e de todas as minorias que não representavam o grande discurso heroico do Estado-nação. O feminismo em RI tenta superar essa amnésia metodológica e epistemológica. A partir dos anos 80, feministas passaram a questionar o mundo, retificando as diferenças entre sexo (biológico) e gênero (social) . Aparecem neste texto sugestões de possibilidades claras de inclusão do feminismo nas relações internacionais, olhando, por exemplo, para a problemática do tráfico de mulheres do Brasil para a Europa. Descubra mais sobre as cinco perspectivas sobre as quais o feminismo se manifesta lendo este capítulo na íntegra.

É a partir desses diversos olhares sobre a temática que pretendemos apontar perspectivas de reflexão sobre as relações homoafetivas e as questões aí implicadas. Isso não permite uma dichscussão linear e aprofundada sobre uma perspectiva, mas uma visão holística de um tema que pode ser abordado de formas diversas. Assim, o leitor poderá desfrutar das abordagens de forma independente tanto quanto integradas ao seu todo, o que leva à compreensão transdisciplinar pretendida.

Desejamos bons momentos de reflexão!

Cínthia Roso Oliveira
Nadir Antonio Pichler
Ronaldo Canabarro
(Os organizadores)

Sumário

Apresentação: Filosofia prática, autonomia e diversidade homoafetiva  / 5

Capítulo I - Pederastia na Grécia Antiga
Lutecildo Fanticelli, Nadir Antonio Pichler, Edimarcio Testa / 23

Origem e contexto da pederastia / 23
Função pedagógica da pederastia / 25
Regras da pederastia  / 32
Considerações finais / 35
Referências / 36

Capítulo II - O discurso da homossexualidade no Banquete, de Platão
Lutecildo Fanticelli, Nadir Antonio Pichler, Edimarcio Testa / 37

Sobre a homossexualidade / 38
A estrutura do Banquete / 40
Os louvores ao divino Eros  / 42
Considerações finais  / 53
Referências / 54

Capítulo III - homofobia: uma leitura crítica
Édison Martinho da Silva Difante, Francielle Moreira Cassol, Nadir Antonio Pichler / 55

História e crítica / 56
A homofobia na patrística e escolástica  / 61
Considerações finais / 63
Referências / 65

Capítulo IV - Religião e sexualidade: por uma perspectiva de análise a partir da cosmologia
da umbanda
Frederico Santos dos Santos / 67

Impressões iniciais  / 69
Sexualidade na umbanda / 72
O prazer na umbanda  / 76
Considerações finais / 80
Referências / 81

Capítulo V - Sexualidade e tolerância: uma reconstrução dos argumentos principais de História da sexualidade, de Michel Foucault
Francisco Fianco / 85

Epistemofilia / 87
A relação com os prazeres na moralidade clássica / 94
As práticas de si como meio de construção subjetiva na Antiguidade Tardia / 103
Considerações finais  / 107
Referências / 111

Capítulo VI - Sobre a naturalidade da coisa
Marcelo José Doro, Ediovani Antônio Gaboardi / 113

A homossexualidade é natural / 113
A homossexualidade é normal / 120
A homossexualidade é amoral / 123
Considerações finais / 125
Referências / 126

Capítulo VII - subjetividade e amoralidade do desejo
Cínthia Roso Oliveira / 127

Os qualia e a subjetividade do desejo / 128
A empatia como recurso de acesso ao desejo do outro / 132
A homoafetividade seria uma doença? / 133
A homoafetividade seria imoral? / 134
A amoralidade da orientação sexual / 136
Em que sentido a prática sexual pode ser imoral? / 138
Considerações finais / 140
Referências / 141

Capítulo VIII - Heteronormatividade e binarismo de gênero na subjetividade da transcriança:
sofrimento dispensável
Icaro Bonamigo Gaspodini / 143

A criança e o adulto / 144
A transcriança e o adulto / 145
Heteronormatividade compulsória e binarismo de gênero / 149
A despatologização das identidades / 154
Considerações finais / 157
Referências / 157

Capítulo IX - Homoafetividade x escola e sociedade: o despreparo frente às diversidades sexuais
Adriel Scolari  / 161

A complexidade social que se reflete na escola / 163
O despreparo dos profissionais da educação / 165
A questão da homoparentalidade / 169
Considerações finais / 173
Referências / 174

Capítulo X - Uniões homoafetivas: desafios na construção do vínculo conjugal
Willian Guimarães  / 177

Além da interioridade: um sujeito sócio-histórico  / 179
A homofobia como fenômeno social  / 180
Os papéis de gênero e a complementaridade  / 182
Ambiguidade no vínculo e os rituais jurídicos  / 185
A influência da família de origem / 187
A rede de apoio dos casais homoafetivos: a família escolhida / 188
Por fim, a consolidação do amor / 189
Referências / 191

Capítulo XI - Breve história do movimento LGBT
Ronaldo Canabarro / 193

Por onde começar? / 195
De doentes a minorias / 196
O Brasil em cena no movimento LGBT / 199
A Teoria Queer e a interação nos movimentos sociais LGBT / 202
Vamos lutar pelo que então? / 205
Referências / 207

Capítulo XII - Perspectivas de gênero nas Relações Internacionais
Hugo Arend / 209

A narrativa tradicional das Relações Internacionais  / 213
O feminismo como narrativa alternativa  / 215
Perspectivas do feminismo no Brasil  / 218
Referências / 221

Sobre os autores / 223
Glossário de termos LGBT / 227

 
 

 

   
   
      


Aceitamos cartões de crédito:


E-mail: sac@meritos.com.br

© Livraria e Editora Méritos Ltda.

Rua do Retiro, 846 - CEP 99074-260
Passo Fundo - RS - Brasil


FRETE GRÁTIS PARA TODO O BRASIL

Tecnologia e proteção de dados:
PAYPAL - eBay Inc.
PAGSEGURO - Universo Online S/A