Texto de contracapa
O ensino do Direito, nas instituições de ensino superior, não mais se exaure em salas de aula e na (re)leitura de textos assinados por doutrinadores ou de decisões judiciais. Em bom tempo, resgatou-se a ideia de que ensinar-aprender é produzir e não simplesmente reproduzir. Na verdadeira missão de ensinar, professor e aluno se confundem, participando de um trabalho criativo. E é nesse alinhamento, numa posição de vanguarda, que o curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Passo Fundo traz à comunidade jurídica a presente obra, que representa a reflexão, o comprometimento, a análise dedicada levada a efeito pelo corpo docente e discente desta valorosa instituição, sobre tema que, entre outros tantos de igual valia, é significativamente o mais caro à cidadania brasileira: os direitos fundamentais consagrados no texto constitucional, mas cuja concreta efetividade e bem assim inteira assimilação pela dogmática jurídica os mais de vinte anos da Constituição Federal não lograram ainda alcançar por inteiro. Mais não seria preciso dizer para se destacar a importância da obra e do trabalho realizado por seus autores, que estão de parabéns.
Certamente, são os leitores, que ora se convida para mergulharem nas páginas que se seguem, os mais agraciados.
Elaine Harzheim Macedo
Mestra e doutora em Direito,
desembargadora
do Tribunal de Justiça RS
Prefácio
Prefaciar uma obra dedicada ao tema dos direitos fundamentais é para mim sempre motivo de alegria, além de uma distinção acadêmica. Não poderia ser diferente no caso da coletânea que ora se publica e que, sob a competente organização dos professores José Carlos Kraemer Bortoloti e Janaína Leite Portella, em parceria com o discente João Gilberto Engelmann, reúne ensaios sobre aspectos diversos, mas sempre atuais e relevantes, tendo como elemento comum a preocupação com o significado, a eficácia e efetividade dos direitos fundamentais na ordem jurídico-constitucional brasileira.
Muito embora a conhecida afirmação de Norberto Bobbio, difundida por meio de seu não menos conhecido livro A era dos direitos, de que o desafio da contemporaneidade não é o de investir na fundamentação e justificação dos direitos humanos e fundamentais, mas sim o de apostar na sua efetivação, cremos que ambas as esferas (da justificação e da fundamentação, assim como da efetividade) não podem ser descuidadas, pois se complementam. Quando a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos e fundamentais passam a ser vistos como postulados, categorias autoevidentes, que não carecem de justificação, dignidade e direitos transformam-se naquilo que já se chamou de elementos de uma espécie de religião civil (Josef Isensee). Daí para a dignidade e os direitos operarem como se fossem trunfos para qualquer discussão e panaceia para todos os males, sem que se tenha sequer clareza sobre o seu conteúdo e significado, é apenas mais um passo, que, como já se verifica a partir de uma simples observação da trajetória da doutrina e da jurisprudência nas últimas décadas, seja no Brasil, seja em outros rincões, de há muito já foi dado. As consequências, como igualmente já se sabe, nem sempre são benéficas para a dignidade concreta das pessoas humanas nem para os seus direitos fundamentais, de modo que obras como a que ora se prefacia, e que buscam conciliar os dois pilares – fundamentação e efetividade dos direitos – são sempre muito bem-vindas.
Tanto os temas enfrentados, que vão desde textos sobre a seara do processo (trabalhista, constitucional e penal) e do acesso à justiça, além de explorar os meandros da hermenêutica e de diversos direitos em espécie, quanto à circunstância de que se cuida do resultado de pesquisa compartilhada entre docentes e discentes do Curso de Direito de Passo Fundo, de modo a propiciar uma construção dialógica e hermeneuticamente aberta do saber sobre os tópicos selecionados, são merecedoras de aplausos da comunidade acadêmica e de todos os que, assim se espera, venham a desfrutar do conhecimento contido nas páginas da presente obra coletiva. Assim, não sendo o caso de um prefácio que separe (pela sua extensão demasiada) leitores e autores, o que nos move é acima de tudo o desejo de que a presente obra seja recebida com a atenção que merece e que professores e discentes do Curso de Direito de Passo Fundo sigam investindo numa boa teoria e prática dos direitos fundamentais.
Porto Alegre, verão de 2011.
Dr. Ingo Wolfgang Sarlet
Professor titular dos Programas de Mestrado e Doutorado da PUCRS,
professor da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul (AJURIS)
e juiz de Direito no Rio Grande do Sul.
Interlúdio
O primeiro artigo da Constituição diz que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
1) A soberania;
2) A cidadania;
3) A dignidade da pessoa humana;
4) Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
5) O pluralismo jurídico.
Na enumeração, os "valores sociais do trabalho" precedem os "valores da livre iniciativa". Não se trata de uma precedência casual, a meu ver. Aí, a Constituição consagrou uma precedência axiológica. Dizendo com outras palavras, criou uma hierarquia de valores, determinando que os valores do trabalho precedem os valores da livre iniciativa. Estabeleceu a Constituição o primado do trabalho.
No parágrafo 1º do artigo 1º, a Constituição diz que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.
Com essa estipulação, o texto avançou, em relação às constituições anteriores do Brasil. Nesse parágrafo, institui-se a democracia participativa, bem mais ampla e efetiva que a simplesmente representativa.
Depois, a Constituição repete um princípio clássico: são poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes entre si.
O artigo 3º diz que são objetivos da República:
1) Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
2) Garantir o desenvolvimento nacional;
3) Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
4) Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A erradicação da pobreza e da miséria é o objetivo prioritário.
Não se pode preservar os "direitos da pessoa humana" numa sociedade na qual a miséria esmaga o ser humano. Não pode haver "cidadania" onde não se assegura ao pretenso cidadão o prévio direito de simplesmente "ser pessoa", eis que a cidadania é uma dimensão do "ser pessoa", uma dimensão indispensável ao "ser pessoa".
A cidadania passa pelo "ser pessoa": ninguém pode ser cidadão sem ser pessoa.
A cidadania cresce o "ser pessoa": projeta-o no político, no comunitário, no social, no jurídico, a condição de "ser pessoa".
Não vemos como possa florescer a cidadania se não se realizam as condições do humanismo existencial.
Dentro da realidade brasileira de hoje, milhões não têm as condições mínimas para "ser pessoa", não são também cidadãos.
Parecem-nos chocantes as sociedades que estabeleciam ou estabelecem expressamente a existência de "párias", na escala social; mas temos, na estrutura da sociedade brasileira, "párias" que não são legalmente ou expressamente declarados como tais, mas que "párias" são em verdade. Porque estão à margem do alimento que a terra produziu; à margem da habitação que a mão do homem pode construir; à margem do trabalho e do emprego; à margem do marcado; à margem da participação política; à margem da cultura; à margem da fraternidade; à margem do passado, do presente, do futuro; à margem da história. À margem da esperança. Só não estão à margem de Deus porque em Deus confiam.
No caso do Brasil, não se trata da miséria que atinja apenas uma franja da sociedade. São milhões de famintos. São milhões de excluídos.
Se quisermos defender, em nosso país, o Estado de direito, temos de vencer a miséria, a fome, a marginalização, a exclusão, pois que a miséria, a fome, a marginalização, a exclusão constituem a suprema negação do direito.
João Baptista Herkenhoff,
Livre-docente UFES, pós-doutor em Direito –
Universidade de Rouen e University of Wisconsin-Madison
Nota dos organizadores
A presente coletânea tem como ponto de partida a problematização que envolve a eficácia e a efetividade dos direitos fundamentais, tema este de relevância inafastável e que, na atual seara do direito constitucional contemporâneo, prescinde de justificativas.
Com efeito, as controvérsias – diga-se de passagem, persistentes – acerca do fundamento, conteúdo e da essencialidade dos direitos fundamentais em suas tantas dimensões perpassam pela doutrina de modo instigante, fazendo com que a ordem jurídica positiva nacional e internacional atente-se às questões que envolvem direitos ímpares e asseguradores da própria condição humana.
As discussões jurídicas acerca do princípio fundamental da dignidade humana residem na proposição axiológica mais sublime à concretização de princípios e direitos fundamentais constitucionais. Daí a importância do tema escolhido – a ratificação dos direitos fundamentais – decorrendo a necessidade de (re)temporalizar os princípios epocais (como explica Ernildo Stein), fundados no paradigma do Estado liberal e que foram persistentes e mais aprofundados no Estado social, para o atingimento do Estado democrático social e de direito. Para tanto, é necessária a adoção de uma hermenêutica consoante aos valores e princípios constitucionais.
Sob o prisma semântico, a ideia que envolve esta obra – a ratificação dos direitos fundamentais – não possui a pretensão de encerrar uma discussão que sequer está em linhas de apaziguamento. Pelo contrário, a evolução dos direitos fundamentais no Estado democrático social e de direito apresenta-se em continuada modelagem e, no plano jurídico, não está – nem de perto – por finalizar questões tormentosas com a apresentação de fórmulas capazes de atender ou mesmo, minimizar, problemas que denotem restrições à esfera da dignidade humana.
A provocação é (re)encontrar, como kantianos frustrados, mas não desertores da ideologia, o "fim em sim mesmo" atrelado à condição humana e registrado no cerne dos direitos fundamentais. Para tanto, desvelar o sentido e a intenção de tais direitos, pensados como imprescindíveis à sociedade contemporânea.
As honrosas contribuições dos professores Ingo Wolfgang Sarlet, João Bapatista Herkenhoff e Elaine Harzheim Macedo, pensadores contemporâneos dos direitos fundamentais, denotam importância ainda maior à construção teórica contida na obra, ademais, significam grandiosa responsabilidade dos organizadores e autores em promover uma obra responsável e estruturada.
A presente obra almeja oferecer ao leitor algumas contribuições para a estruturação do debate, sendo concebida e estruturada em estudos que perpassam por aspectos do direito constitucional, trabalhista, penal, explorando a hermenêutica jurídica e os direitos em espécie, de modo que os docentes e discentes do Curso de Direito da Anhanguera Educacional de Passo Fundo fundiram esforços para contribuir para com o estudo e a compreensão dos direitos fundamentais em sua necessária reafirmação – a ratificação dos direitos fundamentais, sob a ótica de um entendimento comum que norteou os pesquisadores: os aspectos de sociabilidade e juridicidade que se deve observar no trato dos direitos fundamentais.
Passo Fundo, outono de 2011.
Os organizadores
Sumário
Prefácio / 9
Interlúdio / 11
Nota dos organizadores / 15
I. Amicus curiae: o controle concentrado de constitucionalidade e a sociedade aberta dos intérpretes da constituição
na perspectiva da ratificação dos
direitos fundamentais / 19
Janaína Leite Portella
Matias Francisco Spironello
A jurisdição constitucional:
rigidez e supremacia / 20
A dignidade da pessoa humana com condição
de possibilidade para o acontecer do
Estado democrático de direito / 25
O controle de constitucionalidade:
a efetivação da jurisdição constitucional / 28
A Constituição fruto da manifestação cultural
e a participação da sociedade
como sua intérprete / 33
O instituto do amicus curiae como auxiliar
no processo de abertura para a participação
da sociedade intérprete da Constituição / 34
A importância da atuação do amicus curiae: legitimidade das deciões judiciais / 37
A atuação do amicus curiae no Brasil perante
as ações de controle concentrado
de constitucionalidade / 41
Considerações finais / 44
Referências / 45
II. A hermenêutica como argumento crítico ao estudo contemporâneo da história do ensino jurídico no Brasil: análise a partir da panorâmica da ratificação dos direitos fundamentais / 49
José Carlos Kraemer Bortoloti
João Gilberto Engelmann
Hermenêutica e argumento crítico / 51
A linguagem e o pensar: fontes do argumento crítico / 53
Os pré-conceitos e a compreensão histórica / 57
O estudo contemporâneo da história
do ensino jurídico brasileiro / 60
O início aportuguesado e o distanciamento do sujeito-objeto histórico-jurídico brasileiro / 61
A tecnicização da história do ensino jurídico brasileiro e o esquecimento do ser / 65
Considerações finais / 73
Referências / 74
III. Imperialismo dos direitos humanos: a jurisdicionalização da vida como
ultima ratio no direito / 77
Fernando Tonet
João Gilberto Engelmann
O imperialismo dos direitos humanos / 78
A ordem filosófica da ideia de imperialismo dos direitos humanos / 78
A sedimentação dogmática dos direitos humanos / 84
A jurisdicionalização da vida / 87
A formação da jurisdicionalização da vida / 88
O imperialismo na jurisdicionalização da vida / 91
Considerações finais / 97
Referências / 98
IV. A concretização dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário e o princípio do mínimo existencial / 101
Juliana Ractz
Marcio Luiz Simon Heckler
Definição e fixação da ideia do princípio
do mínimo existencial / 102
Origem / 102
Conceito / 103
Localização do princípio na Constituição Federal de 1988 e sua relação com os direitos fundamentais / 106
A efetivação dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário por meio do princípio do mínimo existencial / 110
Legitimidade do Judiciário em atuar na aplicação do mínimo existencial / 110
Barreiras encontradas para a atuação do Judiciário na aplicação do mínimo existencial / 112
Finalidade da aplicação do princípio do mínimo existencial pelo Poder Judiciário e seus benefícios / 121
Considerações finais / 124
Rerefências / 125
V. Os desafios do processo do
trabalho no século XXI:
a acessibilidade ao Judiciário trabalhista como garantia fundamental / 127
Emerson Lopes Brotto
Carlos Vicente Vieira Oliveira
Recapturando os fatos e os fundamentos
de um processo trabalhista / 130
Da CLT à Constituição Federal de 1988:
a reestruturação produtiva e a
reestruturação legislativa / 134
A fase contemporânea e o problema central
da efetividade do processo do trabalho / 138
A emenda constitucional 45/2004 e suas repercussões no mundo do processo trabalhista / 143
Considerações finais / 149
Referências / 150
VI. Direitos fundamentais e direito penal: direito a um processo em
um prazo razoável / 153
Robespierre Ferrazza Trindade
Rowana Camargo
O direito a um processo em um prazo razoável / 155
Considerações finais / 171
Referências / 172
VII. Considerações sobre a teoria do capital humano e sua atuação no cenário político educacional brasileiro das décadas 1980-1990 / 173
Leandro Tuzzin
Gabriela Arruda da Silveira
Origem e desenvolvimento da
teoria do capital humano / 174
O contexto dos anos 80 e 90 e o triunfo
da teoria do capital humano / 180
Críticas à teoria do capital humano / 191
Considerações finais / 199
Referências / 200
VIII. O tratamento do empregado doméstico pela legislação trabalhista perante o princípio da igualdade / 203
Caroline Porto de Magalhães
Adriana de Góes dos Santos
Origem / 204
O trabalhador doméstico / 208
Princípios / 214
Considerações finais / 223
Referências / 224
IX. Direito fundamentalà liberdade religiosa:
análise histórica e crítica / 227
Priscila Formigheri Feldens
Pablo Gilnei Simor
A liberdade religiosa frente à dominação
católica no país / 228
O predomínio de uma Igreja oficial / 231
A liberdade religiosa no Estado brasileiro laico / 233
O Estado democrático de direito e a proteção
de direitos fundamentais / 238
O direito fundamental à liberdade religiosa
na atual Constituição Federal / 240
Referências / 251 |