Início do primeiro capítulo:
O lugar da invenção “tradicional” na modernidade conservadora
Esta reflexão trata de algumas noções que considero importantes no debate sobre o povo sulino, a sua história e a sua arte. Elas estão em uma totalidade articulada pelas categorias sociedades tradicional, moderna, pós-moderna, de espaços, identidades e representações. Nesse particular, coloco em relevo o aspecto dominante da representação rio-grandense reconhecida como cultura de massa, procurando demonstrar o seu processo formativo, sem desconhecer os diversos movimentos subjacentes e marginalizados, e a condição histórica impeditiva de uma harmonização exclusiva da identidade gentílica.
A primeira característica dominante de uma identidade “tradicional”1 -folclórica em uma sociedade moderna é a diluição da noção de tempo histórico. Cria-se o “tempo vago”, ao qual se remete a origem de seus elementos. Ao se instituir como movimento cultural organizado, essa gauchidade se apresenta como se estivesse credenciada a reproduzir valores pretensamente imutáveis forjados pelos antepassados. Melhor dizendo, há uma reelaboração do passado como o lugar de uma sociedade tradicional. Entretanto, historicamente, a sociedade de tipo tradicional nunca existiu no Rio Grande do Sul. Desde a sua origem ocupacional organizada pelo Estado Colonial Absolutista no século XVIII, na região sulina foi implantada uma sociedade de classes de tipo escravista alicerçada na propriedade privada. Desse modo, jamais se configurou uma sociedade historicamente tradicional. Esta é uma suposição criativa intelectual de legitimação da sociedade oligárquica, em um primeiro momento, e do capitalismo gauchesco de corte latifundiário em sua forma mais acabada...
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