Prefácio
Lutecildo Fanticelli
Os mais de dois mil anos que nos separam da época em que viveu Platão não foram capazes de tornar a sua filosofia superada ou mesmo esquecida. Ao contrário, Platão permanece muitíssimo atual através de suas autênticas reflexões epistemológicas. Além do Teeteto, outros dos seus Diálogos também são bastante férteis no campo da epistemologia. Naqueles que aqui analisamos percebemos uma preocupação constante do seu autor com a preservação do espírito racional helênico. As obras platônicas, conforme veremos, apresentam, muitas vezes, alguns desafios e também algumas inovações quanto às abordagens vigentes.
Em alguns Diálogos encontramos o ataque à sofística, nos quais Platão expõe a pessoa de Sócrates sempre como o inquiridor equilibrado e descontraído com a reflexão filosófica. Contudo, ele próprio, ao que parece, percebe a fragilidade da sua dialética, método este que ele contrapõe à sofistica e à erística. A batalha platônica contra os sofistas não foi, com efeito, vencida com muita facilidade. A dialética apresenta seus pontos muito vulneráveis e, em determinado momento, ela própria possui, por assim dizer, forte analogia com a sofística. Aliás, conforme a história da filosofia nos mostra, não foi à toa que o próprio Sócrates foi também confundido com os sofistas.
Uma maneira segura de se distinguir esses dois modos de pensamentos, isto é, a dialética e a sofística, é, sem dúvida, realizando uma investigação epistemológica da própria dialética platônica. O presente trabalho trata-se, nesse caso, de um estudo sobre a epistemologia platônica, embora não esquadrinhe a sofística e, sim, a dialética. Analogamente, não se trata de uma pesquisa de abordagem dialética da filosofia, mas epistemológica. Em outros termos, trata-se de uma investigação da dialética platônica sob uma abordagem analítica.
O leitor atento e sensato da epistemologia platônica, ao concluir a leitura de alguns Diálogos, tende, certamente, a perceber que o embate dialético empreendido deixa alguns indícios de fragilidade. Algumas vezes, é possível perceber na dialética uma forte analogia com a própria sofística, ou seja, com o seu próprio alvo de ataque. Foi, a princípio, essa questão da sua fragilidade que nos motivou a editar o presente livro. É que Platão, enquanto destemido paladino da razão, fá-lo exercitando a sua dialética como uma espécie de arma poderosa.
O leitor atento também acaba por perceber que, ao defender a razão reflexiva, Platão quase sempre ataca a sofística. Aliás, despende muito tempo em refletir sobre algumas colocações sofísticas para depois refutá-las. Na própria República,obra-prima de Platão, é possível perceber certas fragilidades do método dialético.
O presente trabalho, é bom lembrar, trata-se da nossa dissertação de mestrado, porém adaptada à forma de livro. Após alguns remanejamentos de capítulos e algumas alterações no próprio título, concluímos com a presente versão. Preocupamo-nos em apresentar um trabalho o mais acessível possível, ainda que entendamos que ele seja destinado a um público profissional da filosofia. Contudo, não seria em função disso que deveríamos negligenciar a questão da clareza do texto.
A dialética já é, com efeito, obscura e ambígua por sua própria natureza, portanto, cabe aos escritores da filosofia torná-la mais acessível a seu público. Compreendemos, de igual modo, que o público leitor de filosofia, sobretudo da epistemologia, seja, de fato, um público reduzido de pessoas. A filosofia, já percebia Platão, não é uma profissão ou uma opção de vida de um grande número de pessoas. Neste caso, um escritor de filosofia suficientemente maduro não irá esperar que seus livros venham a ser vendidos aos milhares, ou que sejam editados por mera vaidade. Eles devem ser editados para serem lidos, aliás, todo e qualquer livro deve ter o objetivo de ser lido. Entretanto, é bem fácil de se entender que um livro de filosofia dificilmente consegue tornar-se um best seller, ou mesmo reverter em grandes lucros financeiros ao seu autor ou à respectiva editora. O bom livro acadêmico, com efeito, não deve ser confundido com um livro vulgar.
O que pretendemos, como todo autor bem intencionado pretende, é que esta obra venha a ser útil aos estudantes de filosofia; que ela não fique nas prateleiras das livrarias e, muito menos, permaneça por longo tempo sem ser lida por qualquer pessoa.
O fato de possuirmos uma produção filosófica de Platão tão escassa em língua portuguesa impele-nos a procurar preencher pelo menos um pouco desse vazio. Em outros termos, o oportunismo, por assim dizer, poderia aqui ser considerado uma iniciativa muitíssimo sábia. O que ainda não possuímos em vernáculo sobre alguns importantes Diálogos platônicos poderia, sem dúvida, ser preenchido por nós brasileiros que amamos a cultura e a filosofia clássica. Existem muitas pesquisas de excelente qualidade, mas que acabam desconhecidas pelos acadêmicos pelo fato de não serem publicadas. Enfim, somos os herdeiros dos antigos gregos e cabe a nós dar continuidade ao pensamento humano à maneira que eles tão sublimemente fizeram.
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